Silvia Buarque comenta sucesso de A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe, em cartaz no Teatro PoeirinhaNil Caniné

Rio - Silvia Buarque está cheia de motivos para comemorar. Ao lado de Guida Vianna, a atriz vem lotando o Teatro Poeirinha, em Botafogo, na Zona Sul, com a peça "A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe". Ao DIA, a artista — que também integra o elenco da série "Betinho - No Fio da Navalha", sucesso no Globoplay — celebra a repercussão do espetáculo e ressalta a importância de poder tratar sobre vivências femininas e a temática LGBTQIAPN+.
Sob direção de Leonardo Netto e texto inédito de Daniela Pereira de Carvalho, a obra retrata, de forma humanizada, a relação entre mães e filhas. No espetáculo, o público é apresentado a três diferentes gerações de mulheres, interpretadas por Guida e Silvia, e é atravessado por questões urgentes como a homofobia e a construção de um novo lugar para a mulher na sociedade contemporânea.

"A peça está lotando todos os espetáculos desde a estreia, porque ela está em muita consonância com o que o público já vive, e eu acredito que um dos principais motivos para isso é o fato de humanizarmos a figura materna", revela Silvia, que fica em cartaz até o dia 31 de março.

"Ela conta a história de duas mães e duas filhas, em dois momentos diferentes. E as duas mães são terrivelmente falhas, mas de forma humana. Ou seja, essa peça não é algo típico entre mãe e filha, onde se apresenta a mãe, depois a filha e aí expõe-se o conflito e depois se discute esse conflito", explica a artista, que, vive a personagem Antonia, na primeira fase, e sua filha Helena, na segunda.

"A primeira filha que eu faço [Antonia] é lésbica e filha da primeira mãe, que é absolutamente homofóbica e, muitas vezes, violenta, agressiva e grosseira. A partir disso, acredito que as pessoas se reconheçam e vejam as próprias mães como seres falhos. Isso desperta o interesse pelo espetáculo", avalia. "Apesar de tudo, a mãe não é uma 'vilã', não existe isso na peça. Nesta relação, existem apenas personagens carregados de muita humanidade e das contradições de que todos nós somos feitos", reflete Silvia, que na vida real é mãe da Irene, de 19 anos, fruto de seu casamento com o ator Chico Díaz.
Aos 54 anos, a atriz expressa, ainda, a importância da temática do espetáculo em locais como o Brasil, que é recordista em assassinatos de pessoas LGBTQIAPN+ e registra altos índices de feminicídio anualmente. Um levantamento realizado em 2023 pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), mostrou que houve 242 homicídios, além de 14 suicídios, entre pessoas LGBTs, somente em 2023. Além disso, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) ainda evidenciaram que o país registrou 722 feminicídios no primeiro semestre do mesmo ano e 34 mil casos de estupros, um crescimento de 14,9% em relação ao mesmo período em 2022.

"É de imensa importância falarmos sobre isso. A arte dialoga com a contemporaneidade desde sempre ou muitas vezes adianta algumas questões. Não é um privilégio apenas nosso, já que há muitas peças falando sobre isso. Eu acho que o teatro precisa se moldar ao mundo atual. Ele também possui o papel de dialogar com as questões sociais", pondera.
Silvia, que faz sua estreia oficial como produtora, conta que já havia atuado na função antes, em 1986, durante uma pequena peça ao lado da atriz Susana Ribeiro e outras duas amigas, que deixaram a carreira artística. Apesar da breve experiência, a atriz garante que o trabalho atual é bastante diferente, definido por ela como um ato de maturidade.

"Aos 17 anos eu produzi uma peça com três amigas, mas depois disso, nunca mais cheguei nem perto de qualquer produção. Agora, eu tomei essa decisão, que considero madura de minha parte, porque foi na hora certa, com as pessoas certas, no contexto certo", analisa.

"É claro que aumenta um pouco a responsabilidade, pois aumenta o trabalho, mas também é muito legal estar com as 'rédeas' na mão, sabe? Eu sou uma produtora bastante democrática, que conta com grandes elos, que são o Leonardo Netto e a Guida Vianna, além do Celso Lemos, que é o diretor de produção", celebra.

De acordo com a artista, essa oportunidade se torna ainda mais especial com a possibilidade de ocupar o palco de um teatro que pertence à sua mãe, a atriz Marieta Severo.

"O Poeira é um dos melhores teatros do Rio. Lá dentro, eu sou uma atriz como qualquer outra, não tenho privilégios, mas é evidente que existe uma relação afetiva, sim. Eu estava grávida na abertura do Poeira, por exemplo", relembra, emocionada. "O teatro, inclusive, é a menina dos olhos da minha mãe. Eu até falo que a quarta filha dela é o Poeira", acrescenta ela, brincalhona.
Parceria de sucesso
Visivelmente feliz ao comentar sua parceria com Guida Vianna, Silvia afirma que foi um ato de coragem propor dividir o palco com a artista, considerada por ela uma das maiores atrizes brasileiras.
"Eu tenho uma admiração enorme por ela. Uma atriz mais que consolidada, premiadíssima. Eu tinha até um 'fantasma', um medo de não alcançar o tamanho do trabalho que eu sabia que ela faria. Agora, nós somos um par de duas atrizes em absoluta comunhão".
"A Guida é professora, mas não foi professoral comigo. Ela respeitou a minha jornada, me tratou como uma igual, entende? É uma honra ela ter aceitado dividir essa personagem comigo, dividir ensaios, palco e camarim, em absoluta igualdade. Ela é muito generosa!", enalteceu.

A veterana, por sua vez, também não poupou elogios à produtora da peça, com quem compartilha a personagem Antonia e interpreta a mãe, Elisa. "Dividir o palco com a Silvia Buarque é um presente. É uma dádiva da vida. Silvinha, antes de ser atriz, é uma pessoa maravilhosa! É uma pessoa honesta, ética, progressista e empática! Ela tem muitas qualidades como pessoa, e é óbvio que essas qualidades transparecem no trabalho dela como atriz", afirma Guida.

"Na dramaturgia, a gente aprende com os que vieram antes e com os que vieram depois. Então, foi uma troca excelente! Eu me inspirei completamente nela, me baseei no que ela propôs, e se tornou uma troca maravilhosa! Eu acho que a nossa química no palco é muito boa", revela a atriz.
Peso do sobrenome
Filha do cantor e compositor Chico Buarque, Silvia alega que ainda enfrenta dificuldades em desvincular seu trabalho do nome dos pais, já que esta é uma tarefa lenta e gradual.

"Eu acredito que esse seja um trabalho de formiguinha e eu ainda sigo tentando. Em relação aos dois, acho que, por incrível que pareça, apesar de minha mãe ser uma das maiores atrizes do país, é mais complicado ser filha do Chico Buarque que da Marieta Severo. Penso assim porque o compositor acessa o imaginário das pessoas, um espaço que o ator não tem acesso. A música chega a lugares, dentro da gente mesmo, que a dramaturgia não alcança muito", reflete a atriz, que ainda cita alguns dos desafios enfrentados pela mãe nos primeiros anos de casamento com o cantor.

"Eu me lembro que quando eu era criança, nos anos 1970, eu via a minha mãe ser chamada de 'mulher do Chico Buarque'... Ela travou essa batalha muito antes de mim, por exemplo. Então, existe um lado meu que sabe que eles possuem uma grandeza que não alcançarei nunca, e também compreendo que o sobrenome 'Buarque' sempre remeterá ao meu pai", diz.

A atriz, no entanto, admite que sua relação com o público mudou para melhor no decorrer dos anos e comemora a conquista de conseguir empregar a própria identidade artística nas obras de que participa.

"Acredito que eu esteja construindo um trabalho com uma identidade própria. Eu interpreto essa questão [de associarem o nome aos pais] de uma forma diferente. Foram anos de análise, de amadurecimento pessoal, para levar isso para o lado bom. Os dois foram ótimos pais, e eu tenho muito orgulho do trabalho deles", conclui Silvia.
Serviço:
"A Menina Escorrendo pelos Olhos da Mãe"
Local: Teatro Poeirinha (Rua São João Batista, 104, Botafogo, ao lado do Teatro Poeira)
Data e Horário: Quintas, sextas e sábados, às 20h, e, aos domingos, às 19h
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia), disponíveis através do site Sympla
Duração: 75 minutos
Gênero: Drama
Classificação indicativa: 14 anos
Temporada: Até 31 de março
 
*Reportagem da estagiária Esther Almeida, sob supervisão de Nara Boechat
 
 
Você pode gostar
Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.