Currículos devem respeitar algumas regras para não serem descartados por algoritimos Divulgação

Rio - O procedimento é sempre o mesmo: você se candidata a dezenas de vagas e aguarda meses por um resultado que nunca vem. Ou recebe um e-mail genérico com uma resposta informando que não foi escolhido para o processo seletivo, mas sem te explicar o porquê e no que é preciso se aprimorar. Esse é um cenário que tem se tornado cada vez mais comum para pessoas que buscam por uma recolocação profissional.
"Ultimamente, antes de ler a descrição das vagas aqui no Linkedin, prefiro clicar no link primeiro que leva à página de candidatura. Se for Gupy ou Kenoby, nem perco mais meu tempo", desabafou a redatora Kelly Silva (a personagem teve o nome trocado para preservação da sua identidade), que já participou de diversos processos seletivos pelo site das empresas, mas não foi selecionada apesar de preencher os requisitos das vagas. E não é difícil encontrar mais relatos de reclamações como essa em uma navegação pelo Linkedin. Diversos usuários afirmam que não recebem  retorno e nem notificações com atualizações dos processos seletivos em que se candidatam através das plataformas. Vale lembrar, que no início deste ano a Gupy comprou a até então concorrente Kenoby, que agora fazem parte do mesmo grupo. 
Com o avanço da tecnologia e o aumento do número de concorrentes a um cargo, muitas empresas recorreram a ferramentas automatizadas para agilizar o processo e poupar tempo. Com isso, um candidato pode ser escolhido ou descartado em questão de segundos. O problema, segundo pesquisadores da área, é a falta de transparência do processo e a possível reprodução de desigualdades sociais.
A situação merece atenção. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, 27 milhões de pessoas já deixaram de ser contratadas devido ao uso da tecnologia na hora da seleção para o preenchimento de uma vaga. Tal atitude transformaria as vagas em "oportunidades ocultas", apontou o estudo. A estimativa é semelhante para o Reino Unido e a Alemanha. 
Ainda de acordo com o levantamento, as pessoas mais afetadas são imigrantes, refugiados, pessoas com deficiência (PcD), pessoas com problemas de saúde física ou mental, ex-detentos, cuidadores de adultos ou idosos, pessoas cujos cônjuges se mudaram para uma nova cidade ou país, idosos e pessoas com pouca ou nenhuma qualificação, sem diploma ou histórico de emprego. A reportagem não encontrou estudos sobre como os algoritmos afetam especificamente os brasileiros.
"Com a chegada de métodos mais tecnológicos para a seleção de colaboradores para as empresas, o mercado ganhou certa agilidade na contratação e na escolha de novos talentos. Mas assim como todos os programas de computadores, eles são baseados em algoritmos que fazem ações de forma exata, de acordo com as regras criadas no desenvolvimento do código. Sabendo disso, muitas habilidades que poderiam ser aproveitadas por especialistas em pessoas e que não são percebidas pela tecnologia, ficam para trás durante o processo", explica Augusto Vieira, especialista em Tecnologia da Informação e Marketing. 
Vieira ressalta ainda que o uso de algoritmos na seleção de ocupantes a cargos vagos é mais frequente em empresas de grande e médio porte e que eles geralmente são utilizados para diminuir custos. Além disso, segundo Vieira, os processos seletivos muito automatizados e com pouca interação humana podem ser excludentes, principalmente, se considerarmos a quantidade de etapas realizadas digitalmente. Com isso, "cai por terra" a ideia de que os algoritmos são imparciais.
"São inúmeros testes que podem reproduzir desigualdades entre pessoas que não possuem tanto tempo e recursos para executá-los. Como exemplo, temos o Teste de estilos de trabalho, Mapeamento de perfil, Teste situacional, Teste de inferências, Teste Adaptativo de Raciocínio, entre outros", exemplifica.
Para que as empresas tentem fazer essa seleção com cada vez menos erros, Viera diz que é necessário que haja um balanceamento entre a interação humana e a tecnológica e que a ferramenta utilizada seja revista frequentemente para que ela fique cada vez mais assertiva.
"O mercado pensa em redução de custos com as ferramentas tecnológicas, mas precisamos ter um meio termo em relação a sua utilização e o quão eficiente ela pode estar sendo na visão da empresa e na atração de novos colaboradores. Existem muitos talentos que por algumas questões não conseguem fazer os inúmeros testes solicitados. Vale pensar também em candidatos que possuem deficiências físicas, para os quais o uso dessas tecnologias podem ser uma dificuldade, já que algumas delas não possuem formas de inclusão digital em seu processo", pontua.
A reportagem procurou a empresa citada acima e questionou como é feita a escolha do software que seleciona quem se aplica a uma vaga, se ele é revisado e com que frequência isso ocorre. A Gupy negou que a inteligência artificial utilizada pela empresa reproduza "vieses preconceituosos, estereótipos ou pensamentos tendenciosos sobre determinado tema ou grupo social" e informou que o algoritmo utilizado por eles passa por uma auditoria de vieses mensalmente.
"A análise das candidaturas é feita interpretando as informações de vagas e currículos, algo que consiga entender o significado, ou semântica, de um texto. Assim, é possível entender, por exemplo, que pessoas que falem em chefiar, liderar, estar à frente ou ser responsável por um time ou iniciativa, querem todas dizer que têm experiência com a habilidade de liderança. E essa leitura semântica é feita em todo o currículo, seja no campo de formação, experiências profissionais e até em trabalhos voluntários. Após analisar todas as informações dos currículos, a IA lista todos os currículos recebidos segundo a afinidade da pessoa candidata com a vaga, ou seja, quanto mais experiências, conhecimentos e habilidades o profissional tiver, mais apto ele estará para a vaga, por isso ficará nos primeiros lugares da lista. A partir daí, cabe à pessoa gestora da vaga analisar todos os perfis e seguir com as etapas do processo seletivo", informou a Gupy em nota.
Veja dicas de como "driblar" os algoritmos e aumentar as chances de ser contratado:
Se o mundo avança cada vez mais para se tornar tecnológico, e esse parece ser um caminho sem volta, como quem busca uma tão sonhada vaga no mercado de trabalho pode tentar lidar com os algoritmos? O DIA conversou com a coordenadora de Recrutamento e Seleção e porta-voz da WE CAN BR, Leticia Colaquises, que apontou algumas atitudes que os trabalhadores podem adotar para aumentarem as chances de serem selecionados.
"A melhor forma de o candidato se destacar é entendendo o que se espera para a vaga, para que possa incluir as fortalezas de seu perfil e experiência alinhados a isso. Não é mentir, mas sim entender o que aquela vaga está avaliando e fazer com que as palavras-chave em destaque tenham match com o que está sendo solicitado", diz. 
Para isso, Colaquises ressalta a importância de a empresa já deixar claro em seu portal de candidaturas o formato em que o candidato deve fazer o seu cadastro, tratando o sistema de algoritmo de forma transparente, com um manual no qual fique descrito o que será avaliado pelo sistema.

"Também é importante simplificar e deixar cada vez mais objetivos os currículos e cadastros, mostrando em forma de dados as suas habilidades por onde passou nas empresas. Como por exemplo: Na empresa X a partir de minha entrada contribui na melhoria de X processo e isso representou um aumento de 50% da produtividade", comenta.
Atenção, candidatos!

- Na hora de elaborar o currículo, use e abuse de palavras-chaves pelas quais as vagas estão buscando. Isso pode incluir desde posição hierárquica, idiomas, títulos e honrarias;

- Lembre-se também de usar fontes tipográficas simples, pois as mais rebuscadas também não têm bom desempenho em sistemas automatizados;

- Deixe de lado o uso de símbolos, setas, abreviações e tabelas;
- Os leitores de documentos não leem imagens, por isso não é recomendado utilizar documentos em formatos como JPEG, PNG ou PDF. O ideal é enviar em Word;

- Currículos com informações mais recentes têm mais chances de subir ao "topo da pilha";