Crianças sofrem com polarização nas eleições - Arte: Luiza Erthal
Crianças sofrem com polarização nas eleiçõesArte: Luiza Erthal
Por *LUIZ FRANCO

Rio - Diante de um segundo turno polarizado e incerto, inflado por discursos de ódio, discussões e rompimento de laços, acabamos nos esquecendo que exercemos influência direta sobre uma peça fundamental para a construção de um futuro democrático e saudável: as crianças.

Quem chama a atenção para isso é Olivia Porcaro, psicanalista e mestre pela Universidade de Londres, que atende crianças há 16 anos. "Tenho percebido que as crianças estão muito angustiadas, porque elas têm menos instrumentos e compreensão para lidar com essa situação toda", diz Olivia. "Dos adultos, mesmo os mais apaixonados, a gente pressupõe que eles tenham uma certa robustez emocional. Mas as crianças têm presenciado discussões na família sem compreender a questão ideológica por trás", explica.

Segundo a psicanalista, "surpreendentemente, as crianças estavam mais preservadas desse jogo político. Mas, como a questão se inflamou muito entre os vínculos sociais, tenho notado um aumento substancial de desconforto entre elas", conclui.

Para Olivia, o exemplo deve vir dos pais, dos adultos. Mas, afinal, como manter a saúde mental durante uma eleição tão polarizada como esta?

"Uma das questões que aumenta esse nível de ameaça, esse estresse, essa ansiedade, é o fato de as pessoas tomarem isso como uma escolha permanente", afirma. "As pessoas perdem a dimensão temporal, de que essa eleição é uma questão do presente (...) e levam essa escolha como se ela fosse uma espécie de sentença eterna. Acho que essa ideia de permanência, de escolha definitiva, também traz um aumento de ansiedade, porque ela recrudesce o sentimento de ameaça", explica.

Sintomas também nos adultos

A psicanalista aponta para a polarização como outro fator que intensifica a divisão já existente entre vencedores e vencidos. "Diante da perda da dimensão da conciliação, a gente começa a pensar em vencedores que vão dominar os vencidos", diz. A possibilidade de fazer parte do grupo perdedor, ela alerta, produz "um aumento de ansiedade, e pode existir um aumento de sintomas somáticos, como dores de cabeça, questões gastro-intestinais e erupções cutâneas".

Entretanto, nem todos reagem da mesma forma. "Cada pessoa vai reagir a esse sentimento de ameaça do seu jeito: os que já são ansiosos, se estiverem muito imersos nessas discussões, ficarão mais, e por aí vai".

Guilherme Gutman, médico psiquiatra e professor de psicologia pela PUC-Rio, também acredita que se trata de uma questão individual. "Você vai encontrar pessoas que estão 'piradas', cada uma a seu modo, algumas nas redes sociais, outras nas ruas e, ao mesmo tempo, há pessoas em um estado de relativa indiferença. Acho que não dá pra unificar e dizer, com certeza, que a maioria das pessoas está estressada com as eleições", pondera.

O professor vai além. Para ele, a discussão inflamada não é necessariamente uma coisa ruim. "A indiferença me parece uma coisa pior, mais perto do estado da morte, da desistência, do jogar a toalha, do que alguém que se irrita, que enlouquece, que briga, mas que está dentro de alguma forma. Acho que é melhor estar dentro do que estar fora", avalia. "Embora a pessoa possa querer estar fora, e ter razões para isso, por causa do cenário que a gente vive".

Gutman reconhece a dificuldade de fazer uma recomendação geral para os cuidados da saúde mental durante as eleições. "Seria um absurdo se eu recomendasse que as pessoas tomassem determinado remédio, ou que fizessem terapia. A resposta é individual. Inclusive, acho que não necessariamente o caminho é diminuir a angústia dessas pessoas. Na verdade, acho que isso pode injetar certa vida nelas. Mesmo que ela apareça em forma de agressividade ou de indignação, é melhor que a indiferença. Mostra que a pessoa ainda está viva, interessada", conclui.

Urgência por mudança pode ser nociva

Natasha Iane é graduanda em psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e está desenvolvendo um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre estratégias de saúde mental voltadas para as práticas de militância. Ela chama a atenção para o componente nocivo da urgência por mudança, presente na motivação central de grande parte dos eleitores: "É muito importante compreendermos que essas apostas políticas surgem acompanhadas de um certo desespero, de uma certa urgência em transformar - seja lá no que for. Aqui já localizamos um adoecimento social". "Se estas eleições estão marcadas pelo esgotamento, como poderíamos viver a pressão de uma aposta na transformação do país com tranquilidade?", questiona Natasha.

Para ela, é preciso conhecer os próprios limites: "É a partir do entendimento dos limites próprios que você desenvolve estratégias para poder respeitá-los. Se o dia amanheceu muito difícil, está tudo bem não entrar num debate hoje".

O excesso de informações a que somos expostos cada vez mais também é um problema, de acordo com Talita Tibola, psicóloga e pesquisadora ligada à esquizoanálise. "Estamos o tempo todo em contato com informações, memes e fake news". "A sensação de que muitas coisas estão acontecendo e não estamos conseguindo acompanhar, nos destaca desse (tempo) presente, nos tira o foco para tentar dar conta de tudo".

Talita acredita que precisamos tirar o peso das nossas costas e, assim como Natasha, reforça a importância de conhecer os próprios limites: "Pode parecer banal, mas é importante que a gente saiba que não vamos conseguir resolver os problemas do país, não hoje, nem amanhã, nem com o resultado das eleições". "É importante que cada um se engaje, se informe sobre seus candidatos e em quem vai votar, mas o peso da solução dos problemas da nação não pode recair sobre as pessoas individualmente, é preciso aprendermos a nos livrar dele. É importante que as pessoas criem redes de apoio, de militância e conversa, mas que cada um perceba o seu limite".

A pesquisadora afirma que, apesar da polarização, é necessário também tentar compreender o outro lado: "É importante estar aberto a tentar compreender porque outras pessoas votam em outro candidato que não o seu". "A menos que a pessoa seja tão intolerante que não consiga conversar com você, pode ser interessante tentar entender essas diferenças, para não ser, também você, um propagador do ódio, que somente ridiculariza o outro lado".

Para finalizar, ela retoma a dimensão temporal envolvida na escolha do candidato: "Caminhando na rua, hoje, passei por um senhor na banca de jornal que falou uma frase que me chamou a atenção: ao ouvir o lamento do jornaleiro sobre a dificuldade da escolha de seu candidato para presidente, comentou: 'Só podemos confiar em um dos candidatos: o tempo'." 

*Estagiário sob supervisão de Ricardo Calazans

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