Vereadora eleita Thais Ferreira, do PSOL - Reprodução/Instagram
Vereadora eleita Thais Ferreira, do PSOLReprodução/Instagram
Por *André Arraes e Thayná de Souza
Realizadas cinco dias antes da data em que se celebra o Dia da Consciência Negra, as eleições municipais deste ano mostraram que a desigualdade ainda deve pautar as discussões políticas no país. Apesar de ser uma das cidades com maior população de pretos do Brasil, o Rio não encontra essa representatividade na política. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar do aumento de candidaturas negras ainda é possível perceber que o poder de decisão não está concentrado nessas mãos.

Para se ter uma ideia, na eleição para vereador de 2016, 267 candidatos se autodeclararam pretos e apenas uma foi eleita, Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018. Este ano, o número aumentou para 422, no entanto, apenas quatro vereadores que se declararam pretos foram eleitos: Tainá de Paula (PT), Thais Ferreira (PSOL), Márcio Santos de Araújo (PTB) e João Mendes de Jesus (Republicanos).

O professor, doutor em História Comparada, pesquisador e escritor Ivanir dos Santos, afirma que esse crescimento de um para quatro pretos eleitos ainda está muito longe do ideal.

"Por mais que esse número tenha crescido, a representação ainda é minúscula para enfrentar as estruturas racistas da sociedade. Como criar um diálogo mostrando que quem ganha é o conjunto da sociedade e não só os negros? Esse aumento, dá espaço, é importante, mas ainda é insuficiente. A hegemonia permanece nas instituições e as estruturas de controle continuam nas mãos dos brancos", explica.

Para tentar mudar esse cenário, Ivanir aponta um caminho: "a construção de um partido de hegemonia negra, construído a partir da experiência desse grupo social, pode ser interessante. Ressalto que ele não pode ser exclusivista, é justamente o que não leva para a frente algumas iniciativas atuais. Às vezes a vaidade entre nós mesmos nos dificulta. É preciso uma visão ampla na cultura, educação, além de dialogar e incorporar outros setores."

Sobre o legado dessa turas, Ivanir exalta as conquistas das últimas décadas. "Minha geração é vitoriosa, porque conseguiu traduzir a luta centenária do povo negro em direitos e políticas públicas, como a lei de cotas, por exemplo. Esse foi o nosso legado; mais jovens negros nos espaços públicos, no ensino superior. As próximas gerações têm que buscar aumentar esses direitos, entrar no espaço político, no judiciário, na docência universitária", conclui.

 

"Teremos um avanço no enfrentamento ao racismo"
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Na opinião do fundador da Incubadora Afro Brasileira, ex-secretário nacional e ex-secretário executivo de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR), Giovanni Harvey, houve avanços na luta dos negros pelo alcance nas posições de poder.
Segundo ele, ao longo dos últimos anos, mesmo com uma reação da porção conservadora da sociedade, que acabou fortalecendo posições racistas nas eleições de 2018, houve melhora.
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"Estamos testemunhando um inédito fortalecimento da agenda de enfrentamento do preconceito e à discriminação na base da sociedade brasileira. Tenho a impressão de que as pessoas estão tomando para si a responsabilidade de enfrentar algo que negligenciaram no passado ou, quando muito, atribuíram a responsabilidade pelo enfrentamento destas desigualdades exclusivamente ao Estado", avalia Harley, que complementa:
"Caso esta tendência se mantenha nos próximos anos nós teremos um grande avanço no enfrentamento do racismo estrutural e dos privilégios da 'branquitude'".
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Racismo institucional e violência política de gênero
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Uma das candidatas eleitas no pleito deste ano foi Thaís Ferreira (Psol), de 32 anos. Segundo ela, os maiores desafios em ser uma mulher negra na política são o racismo institucional e a violência política de gênero.
"Se manifestam das mais diversas formas e em todos os espaços. Ser uma mulher negra, periférica, mãe e estar eleita é reafirmar que mesmo com todas as investidas perversas que nos atravessam, seguiremos vivas e nos levantando. Para além da força da representatividade, que sim importa e muito, é também entender a importância da continuidade, a grande missão é honrar os legados de luta que nos foram deixados por todas aquelas que vieram antes de nós e que já se foram lutando por nós, para que as que virão depois consigam chegar cada vez mais longe", declarou.
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Mãe três vezes, Thaís, que é especialista em saúde da mulher e políticas para as Infâncias, acredita que as leis precisam vir também das mãos de quem já pariu. "Minha atuação parlamentar será focada em garantir dignidade desde o começo da vida, garantindo apoio para que a maternidade, a paternidade e a parentalidade possam acontecer de forma saudável para todos", diz.