Brasília, 04 (AE) - Preocupado com os riscos à democracia e ao desenvolvimento do Brasil e a dois meses das eleições, um grupo de especialistas renomados do País divulga nesta sexta-feira, 5, documento com propostas para o próximo governo.
Batizado de "Contribuições para um governo democrático e progressista", o texto de 68 páginas abarca um leque amplo de sugestões, como a criação de um programa para ampliação temporária de despesas fora do teto de gastos e de uma nova rede de proteção aos mais vulneráveis, em substituição ao Auxílio Brasil.
O "Grupo dos Seis", como vem sendo chamado, é formado pelos economistas Bernard Appy, Pérsio Arida, Francisco Gaetani e Marcelo Medeiros, pelo advogado Carlos Ari Sundfeld e pelo cientista político Sérgio Fausto.
O trabalho começou há mais de um ano, mas está sendo divulgado no momento em que empresários e personalidades de diversas áreas da sociedade civil se unem em torno de uma carta aberta em defesa da manutenção da democracia, em reação a ataques do presidente Jair Bolsonaro ao processo eleitoral.
As propostas, feitas por iniciativa própria e sem vinculação com entidades, já foram apresentadas aos candidatos à Presidência, menos a Bolsonaro - criticado pelo pacote de medidas às vésperas das eleições. Para o grupo, o atual governo tem produzido retrocessos institucionais "deliberados", o que "compromete gravemente o futuro do país". Ao Estadão, Appy disse que o documento é um posicionamento político para todos os candidatos que estejam comprometidos com a democracia. "Não é uma coisa de última hora. Estamos fazendo desde o primeiro semestre do ano passado", disse ele.
'Licença' para aumento temporário de despesas públicas
O plano elaborado pelo "Grupo dos Seis" prevê uma licença temporária de R$ 100 bilhões por ano para ampliação dos gastos na área social e com programas voltados à inovação e meio ambiente.
Segundo o economista Bernard Appy, um dos integrantes do grupo, a proposta prevê um aumento de até 1% do Produto Interno Bruto (PIB) nas despesas por ano de forma transitória até que se defina um novo regime fiscal. Desse total, 60% seriam destinados aos programas sociais, enquanto os 40% restantes iriam para a elevação da produtividade via ciência, inovação e tecnologia e sustentabilidade ambiental, com ênfase na Amazônia.
É um programa limitado ao valor de 1% do PIB de despesas que ficariam fora do teto de gastos. Para isso, seria preciso aprovar uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O teto é a regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação. Já se espera uma mudança na regra depois do aumento de gastos com programas sociais às vésperas das eleições. Entre outras medidas, o piso do Auxílio Brasil subiu de R$ 400 para R$ 600, e os dois candidatos à frente nas pesquisas - o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro - já anteciparam que, se eleitos, vão manter esse valor.
"Entendemos que essa licença é importante para que o próximo governo tenha capacidade política, governabilidade, para implementar as reformas que são necessárias no começo do mandato", justificou Appy. "Não estamos propondo abandonar o teto totalmente. Vamos manter o teto até o novo regime fiscal entrar em vigor."
Com o programa especial, o próximo governo ganharia tempo para discutir a revisão do arcabouço fiscal e orçamentário. A ideia é que essa revisão não seja feita de forma precipitada e apenas focada na mudança da regra do teto, mas numa revisão geral das regras fiscais, do modelo orçamentário e do regime de vinculações e partilhas, da rigidez do gasto e do federalismo fiscal.
Propostas mudam modelo de governança pública
Por trás da proposta do "Grupo dos Seis", de rever temporariamente a âncora fiscal do País em benefício de ações voltadas à produtividade e à sustentabilidade, está o embrião de um novo modelo de governança pública.
A ideia é que o aumento dos gastos não seja dirigido a áreas passíveis de investimento pelo setor privado - como infraestrutura, a ser atendida com mais e melhores contratos de concessão -, tampouco a políticas de retorno questionável (incentivos a "campeões nacionais", por exemplo), e sim focado em áreas com alto retorno social.
Um dos pontos levantados pelos autores do documento é que a conjuntura internacional complexa, marcada pela elevação dos juros nas economias avançadas para conter a forte alta da inflação, com a consequente desaceleração do crescimento mundial nos próximos anos, limita a margem de manobra nas contas públicas no início do próximo governo.
À exceção do programa especial de gastos, as propostas do documento, inclusive as tributárias, têm orientação fiscalmente neutra. A redução de receitas decorrente da desoneração da folha de salários seria compensada pelo aumento de receita em outras categorias de tributos, sobretudo pela correção de distorções na tributação da renda.
Já o custo da reformulação dos programas voltados às famílias de baixa renda seria coberto, de um lado, pela extinção do Auxílio Brasil (substituído por um programa mais eficiente).
O documento propõe quatro conjuntos de mudança. O primeiro envolve a reformulação e a expansão do modelo de proteção das famílias de menor renda. O segundo contempla mudanças no financiamento e nos benefícios da Previdência, no FGTS e no seguro-desemprego, gerando maior incentivo à inclusão previdenciária e ampliando a isonomia entre trabalhadores.
Um dos pontos considerados mais importantes é a redução nas contribuições previdenciárias sobre o valor correspondente ao primeiro salário mínimo de todas as remunerações. Eles propõem também ampla reforma do Estado, voltada ao aumento da eficiência, e o fortalecimento da governança das estatais e uma reforma tributária abrangente.
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