Por bernardo.argento

Minas Gerais - Foi-se o tempo em que Marcelo era apenas um habilidoso e cabeludo atacante do Atlético-MG que fazia dupla infernal com Reinaldo, nos românticos anos 70. Ídolo do Galo, hoje Marcelo Oliveira está fazendo história no clube rival. Em sua segunda temporada no Cruzeiro, acumula a conquista de um Brasileiro (2013) e um Mineiro (2014), além de números impressionantes.

Em 109 jogos no comando da equipe celeste, tem aproveitamento de 72,7%. Se conquistar o bicampeonato brasileiro, entrará de vez para a galeria dos grandes treinadores da história da Raposa. Mas, mineiro como é, não canta vitória antes da hora, apesar da vantagem de oito pontos em cima dos adversários. Os dois vice-campeonatos da Copa do Brasil, pelo Coritiba, servem de lembrança.

Nesta entrevista, Marcelo Oliveira fala da carreira e de como encara o futebol. E faz algumas confidências. Uma delas é que tem em Levir Culpi, técnico do Galo, uma referência profissional e um amigo. Isso sem falar da inspiração em Telê Santana. Paixão pelo legítimo futebol brasileiro não falta.

Marcelo Oliveira treina o melhor time do Campeonato BrasileiroDivulgação

No jogo contra o Coritiba, você foi ovacionado pelos torcedores quando entrou em campo. Chegou até a abafar o Hino Nacional. Foi uma surpresa?

Marcelo Oliveira: A minha relação com o Coritiba foi muito legal. Sou grato. Tivemos momentos importantes, com vitórias expressivas. O reconhecimento é gratificante.

Na época em que comandou o Coritiba, você bateu o recorde mundial com 24 vitórias seguidas...

Foi importante ter conquistado dois campeonatos paranaenses, ter levado o time a duas finais da Copa do Brasil e ter batido essa marca. O futebol atual é muito competitivo e físico, vai ser difícil nos dias de hoje um time superar isso. Mas tudo começou depois que saí do Atlético-MG. Fiquei muito tempo lá, gostava do trabalho de revelar e formar jogadores.

Hoje a vantagem do Cruzeiro é de oito pontos, faltando 14 rodadas. Como administrar a ansiedade dos jogadores?

Ainda tem 42 pontos em disputa. No ano passado, também foi assim, mas não é uma vantagem definitiva e é perigosa, se a gente se sentir confortável. Neste momento, não temos que olhar para trás, para os adversários. Temos que olhar para frente. Temos que fazer do próximo jogo o mais importante.

Quais são os maiores concorrentes ao título?

O Atlético-MG e o Grêmio ainda vão crescer, além dos demais times do G-4.

Qual é o melhor esquema tático nos dias de hoje?

Eu acho que todo esquema pode dar certo desde que os jogadores cumpram as funções. Mas esse esquema 4-2-3-1, que vira 4-2-4 quando se está atacando, ou até mais, que vira duas linhas de quatro quando se está defendendo, acho que é o que mais preenche o campo.

O segredo do Cruzeiro é essa movimentação do meio para o ataque?

É um dos segredos. Quando um time vai bem, nunca é uma coisa só. É o comprometimento do trabalho, e dentro de campo é o toque rápido. Os nossos treinos são dinâmicos. Como o preparo físico está muito bom e a marcação muito forte, o treino tem que se adequar a isso. Com toques rápidos, fugimos da marcação.

O esquema ofensivo adotado no Cruzeiro tem muito da sua vivencia na época em que foi atacante?

O futebol mudou muito, evoluiu. Hoje é muita marcação. Mas talvez por ter sido atacante... eu gostava de partir para cima, de buscar o gol. Teve também a convivência com o Telê Santana. Ele gostava do jogo envolvente, toques rápidos, sem muito drible, e para frente, com apelo ofensivo. Talvez tenha essa influência. O que tento fazer no meu trabalho é o seguinte: se você não marcar, está propenso a perder o jogo. Então, em vez de ter um cara que só marca e não joga, eu tento fazer com que os jogadores que têm habilidade, que são criativos, marquem.

Quem são os técnicos que o influenciaram?

Eu subi com o Telê, em 1972. Quando jogava, ele era a minha referência, era obstinado com os fundamentos técnicos do jogo. Exigia muito, mas também respeitava o ser humano. E nessa parte técnica, ele era estratégico, fazia esquemas, olhava adversários. Quando eu jogava, era ele, mas, como técnico, eu trabalhei com o Levir Culpi e gostei muito. Ele tem uma ótima combinação de qualidades.

Justamente o técnico do Atlético-MG...

Estamos em lados opostos em Minas Gerais, mas ele é meu amigo pessoal. Trabalhei com ele nos juniores (do Atlético-MG). A gente tinha uma relação boa e nos encontrávamos sempre. E no período em que ele estava em Curitiba eu ia sempre ao restaurante da mulher dele. Tomávamos vinhos, batíamos papo e ele contava muitos casos. O Levir é muito engraçado.

Em Belo Horizonte, dizem que você adotou o Everton Ribeiro...

Falam que ele, o Nilton, o Willian são os meus filhos. O Everton muito mais, pois eu o vi jogando no São Caetano. Ele foi sem multa para o Coritiba. É muito habilidoso, joga pelo meio e pelos lados. Quando vim para o Cruzeiro, pedi a sua contratação. Acho que vai fazer uma carreira muito bonita na seleção brasileira.

Muita gente anda pedindo a volta do mata-mata, pois o campeonato de pontos corridos seria sem graça. O que acha da atual fórmula de disputa?

Sinceramente, acho que o campeonato tem graça. Tem tanta, que estamos falando dos times que podem chegar. Os pontos corridos iludem um pouco, porque a diferença pode cair ou virar de uma hora para outra. Só não sei se é mais comercial. Mas é muito mais justo, pois premia quem trabalha bem, se planeja, cuida bem do elenco.

Por ter sido formado no Atlético-MG, você imaginava que teria uma química tão boa com o Cruzeiro?

Quando fui para o Cruzeiro, fiquei meio assustado. Houve pequena manifestação contrária a minha chegada. Eu tinha outras propostas e pensei se deveria me submeter a isso. Mas, depois, comecei a pensar que não estavam questionando a minha competência. O que havia era rivalidade e enfrentei isso. Trabalho em equipe, valorizo muito o ser humano. Passo aos jogadores que é preciso ter metas. No ano passado, disse a eles: ‘Vamos fazer história aqui’.

Já pensa na Seleção ou em trabalhar no exterior?

Não sou de fazer planos longos. A Seleção é o ápice do técnico. Poder escolher os melhores. Seria bacana e importante, embora no Brasil pensem muito em formar time sem treinar, o que é uma dificuldade. Eu não tenho essa obstinação pela Seleção. Já tive propostas para sair do Cruzeiro, Arábia e Dubai, e não aceitei, pois tinha contrato. Hoje, um dos meus objetivos seria quebrar essa coisa do futebol brasileiro de que técnico não trabalha no mesmo time por cinco, seis anos, como acontece na Europa. Seria uma forma de ter tempo para criar uma filosofia de aproveitamento da base e ter uma integração maior. Isso me motiva, me deixaria gratificado.

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