Por victor.abreu

Rio - Ela estava por todos os lados. Era difícil não ver uma praça pública no Rio de Janeiro sem uma quadra de futebol de salão de concreto. Primeiro reduto dos salonistas, era dali que os clubes de bairros nos anos 70 e 80 retiravam seus craques. Mas, desde o fim dos anos 90, uma superfície tomou conta da preferência dos campinhos de pelada: a grama sintética. A partir daí, combinado com diversos outros fatores, como más gestões e falta de investimentos, os praticantes do futebol de salão amador foram diminuindo e migrando para o piso artificial. O sétimo episódio da série O Salão do Rio apresentará outro ponto de vista para o enfraquecimento do futsal na Cidade Maravilhosa.

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"Esta grama sintética é uma praga, ela matou nossa quadra. Tem muitas por aqui perto. O Parque de Madureira também me atrapalhou nessa questão de frequência de público", revela Wendel Ferreira, presidente do Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda.

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Em comunidades como Rocinha e Santa Marta a grama sintética já tomou o lugar do concreto nos campinhos das praças públicas. Até o melhor jogador de todos os tempos atuou no piso artificial. Pelé, no New York Cosmos, dos Estados Unidos, em 1975, jogou neste tipo de campo.

Jorge Mendes%2C vice de esporte da A.A. Vila Isabel, é um dos dirigentes que tentam driblar a concorrência com os condomínios fechadosRafael Arantes / Divulgação

"As pessoas jogavam pelada no salão porque só tinha o salão. Quando o sintético surge, todos foram conferir. Hoje ele reúne mais gente nas peladas. Agora, o surgimento do F7 é o que está crescendo muito. Acho que ele vem criando uma concorrência com o futsal. Ainda tem muito que acontecer, mas eu aposto que vá (superar o futsal)", disse José Marcos Braziellas, vice de esportes do Sport Club Mackenzie.

Na Associação Atlética Vila Isabel, os custos elevados na manutenção dos esportes e os condomínios fechados agem em conjunto no afastamento das pessoas e dos atletas, além de limitar os investimentos dentro do clube.

“A cada condomínio, de prédios, novo que fazem aqui perto é mais pessoas que saem dos clubes. Você briga contra isso e com os outros clubes para montar uma equipe razoável. São, no mínimo, R$ 3 mil por mês em gastos, sem dar nenhuma ajuda de custo aos atletas”, disse Jorge Mendes, vice de esporte da Associação Atlética Vila Isabel.

José Vicente Nóvoa Cavalcante, vice-presidente de Esportes Olímpicos do América, é mais um que reconhece o crescimento do Futebol 7, jogando em grama sintética, na cidade. Para ele, o F7 atrai os jogadores mais velhos, enfraquecendo a categoria adulto no estado.

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"Hoje a maioria dos atletas do salão de 19 e 20 anos chega a essa idade e passa para o F7. Não tem mais times de salão adulto no Rio. Nós temos uma safra boa nessa idade entre 15 e 17 anos que seria importante segurá-los no futsal. Precisamos de investimentos no Rio de Janeiro. Seria interessante uma abertura na mídia. Se não tiver cobertura em jornal e Internet os empresários não se interessam", disse o dirigente, que reafirma o peso da importância do salão na formação dos jogadores.

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"Futsal é muito importante. Nessa fase de 14 anos, os jogadores ficam treinando tanto no campo quanto no salão. A preparação física do campo é bem mais puxada, quando chega à quadra eles complementam na parte técnica com a bola", completou o dirigente americano.

Prédios e condomínios na Rua Jardim Botânico enfraqueceram o Carioca E.C.%2C diz o presidente do clubeAndré Luiz Mello

No Carioca Esporte Clube, tradicional clube de futebol de salão da Zona Sul, vencedor da primeira edição da Taça Brasil em 1968, nem mesmo os associados salvaram as finanças da equipe. Em breve, a quadra localizada na sede da Rua Jardim Botânico, endereço nobre da cidade, será transformada em uma academia de musculação para gerar renda e ajudar na quitação de dívidas.

“Se você olhar aqui em volta (na rua Jardim Botânico), todos os condomínios têm estrutura: piscina, quadra, área de lazer, e ninguém quer mais saber de clube. Carioca está com 108 anos, mas com muita dificuldade financeira. Correndo 'da sala para cozinha' para manter o clube aberto”, disse o presidente Manoel Henrique Martins, que exaltou o local onde o Carioca brilhou no salão.

“Nossa quadra é uma das maiores da Zona Sul. Quando a gente ia jogar no cimento, em outras quadras menores, nós sentíamos muito. Da mesma forma, eles ficavam perdidos aqui porque o taco é mais rápido. Eu só me lembro de ter perdido uma vez aqui na nossa quadra. Foi para o Fluminense, gol do falecido Djalma Navarro, 1 a 0. Mesmo sendo uma quadra grande, hoje nós já não temos essa dimensão oficial”, completou o presidente do Carioca.

Carlos Chinelli mantém viva a memória dos campinhos de pelada e do futebol de salão na coluna da "Turma do Bate-Bola", publicada no jornal de bairro "Rio Suburbano". Para ele, o incentivo ao esporte está sendo deixado de lado também nos colégios e nas universidades.

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"Era o primeiro esporte nos colégios e, com essa transformação de futebol de salão para futsal, mudaram regras e uma porção de coisas, agora a bola quica. Antigamente era uma bola de serragem, pesada. O goleiro que lançava com força tinha um valor imenso nas peladas, não precisava nem agarrar bem (risos). Então eu acho que essa transformação mexeu muito com os praticantes. Eu peguei grandes jogadores com a bola "pesadinha", como a gente chamava. O que o Falcão faz hoje é muito mais fácil de fazer do que os jogadores de antigamente, mas era um dos pouco de hoje que jogaria bem na minha época. Com a bola pesada era outra história. O falecido Hércules, um dos melhores jogadores de futebol de salão que eu já vi, dava voleio de bico! Eu nunca tinha visto isso e nunca verei de novo", disse o escritor, que é ex-jogador de futebol de salão pelo Vasco e do Grêmio de Rocha Miranda.

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Vasco e Fla possuem equipes adultas de F7. Ambos os times já foram gigantes nas quadras de futsalDavi Pereira / JornalF7.com

"Eu disputei campeonato universitário. Tinha Gama Filho, SUAM, Souza Marques, UFRJ, Simonsen, Santa Úrsula, Cândido Mendes... eu estudei na Faculdade Madeira De Ley (Somley), do antigo professor Paulo César Carvalho Madeira de Ley, fundador do Colégio São Fabiano, ele adorava ver a quadra cheia. Era um educador e esportista fantástico. Eu me formei em Administração por conta de uma bolsa de estudos no futebol de salão dada por ele. Não pagava nada. As faculdades contratavam os jogadores dando bolsa só para montar times bons. Muitos boleiros só conseguiram se formar por causa do futebol de salão. A Gama Filho chegou a ter jogador de seleção brasileira, Jorginho e Paulo Eduardo. Uerj também tinha um time muito bom. Raúl, que depois jogou no Bradesco e na seleção brasileira, foi da Uerj. Eu fui da seleção carioca universitária. Fui disputar o JUBS (Jogos Universitários Brasileiros) lá em João Pessoa, na Paraíba, em 1979. Uma experiência fantástica. O Brasil todo ali, todos os esportes, e eu fui pelo futebol de salão. Conheci o Robson Caetano, do atletismo, e a gente convivia com aquele pessoal todo", completou Carlos Chinelli.

Torcida Dragões da UFF%2C no Intereng 2015. Equipes universitárias seguem existindo, em diversos esportes, mas sem o apoio que tinham nas décadas de 70 e 80Reprodução Facebook

O JUBS é organizado pela Confederação Brasileira de Desporto Universitário. Em 2015, a 62ª edição do evento será realizada em Uberlândia, em Minas. Outra organização denominada de "Os Jogos" também mobiliza os universitários de diversos cantos do país. Esta também competição também é famosa pelas festas e shows voltados para os estudantes. Juiz de Fora, em Minas, recebeu este torneio no ano passado.

Fora isso, os próprios cursos mantêm suas competições individuais, como JUCS (Comunicação Social), Intereng (Engenharia), JUD (Direito), JUMED (Medicina) entre outros. Os estudantes se mobilizam por meio de "Atléticas", grupos esportivas-culturais responsáveis por organizar e gerenciar os times universitários de determinado curso ou faculdade. Porém, sem tanto apoio da direção acadêmica das unidades como em outros tempos.

Reportagem de Victor Abreu

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