Marco Polo Del Nero foi presidente da CBF - Divulgação
Marco Polo Del Nero foi presidente da CBFDivulgação
Por AFP

Rio - Quando Marco Polo Del Nero soube que seu sucessor no comando do futebol brasileiro havia sido preso, abandonou às pressas o hotel em Zurique e tomou o primeiro avião rumo ao Rio. Ele não podia esperar. A cúpula da Fifa desmoronava e a Suíça já não era mais território seguro.

Del Nero chegou ao Brasil a tempo e, nos últimos três anos, assistiu em liberdade à prisão de velhos parceiros, incluindo do próprio José Maria Marin, condenado na quarta-feira a quatro anos de prisão nos Estados Unidos pelo recebimento de 6,6 milhões de dólares em propinas.

Embora o juri acusou Del Nero de ter recebido metade desse valor, o ex-presidente da CBF se vê amparado pela legislação brasileira, que só permite a extradição de um de seus cidadãos em caso de envolvimento com o narcotráfico. É o mesmo caso de Ricardo Teixeira, que durante 23 anos comandou a CBF.

Quando foram acusados formalmente pelos Estados Unidos - em dezembro de 2015 - ambos já estavam em suas residências no Rio.

Como eles, suas propriedades sobreviveram à devassidão daqueles anos dourados em que, segundo as investigações, multiplicaram seus patrimônios com as propinas recebidas pela venda de direitos televisivos da Copa América e da Libertadores.

Tempos em que os agora septuagenários passeavam em iates ao lado de exuberantes modelos, capas das revistas 'Sexy' ou 'Playboy'.

A ação policial de Zurique acabou com os luxos à luz do dia e com a possibilidade de viajar sem serem presos, mas não com as comodidades de quem comandou durante quase três décadas o futebol mais famoso do mundo.

"Eles agora evitam aparecer, mas não perderam de forma nenhuma o padrão de vida que tinham. Continuam usufruindo", garantiu à AFP o jornalista Juca Kfouri, que há anos denuncia os excessos dos ex-dirigentes da CBF.

'Promiscuidade'

O escândalo de corrupção no futebol encontrou um já aposentado Ricardo Teixeira, três anos depois de sua súbita saída da CBF, assediado pelos escândalos e longe da proteção de falecido ex-sogro, o influente ex-presidente da Fifa João Havelange.

Marin sucedeu Teixeira no comando da CBF. Em seguida foi a vez de Del Nero tomar o poder em 2015. E sequer a prisão do antecessor impediu o poderoso advogado paulista de seguir no cargo até dezembro daquele ano, quando a Fifa o suspendeu primeiro temporariamente e logo à vida.

Pouco importava o assédio dos Estados Unidos, ou que seu estreito colaborador Marin - agora com 86 anos - estivesse preso, ou que uma CPI no Senado em Brasília, presidida por Romário, revelasse todos seus delitos: no Brasil, Del Nero segue livre e clama inocência.

"Ao longo dos anos, a promiscuidade entre a CBF e a política brasileira foi muito elevada. Eles ainda colhem os frutos de uma relação do passado que gerou algum tipo de blindagem", explica o jornalista Jamil Chade, autor do livro 'Política, propina e futebol'.

E a chamada 'bancada da bola', seu lobby no Congresso, não falhou quando os ex-dirigentes mais precisaram.

A CPI foi concluída sem apresentar denúncias e somente um relatório alternativo apoiado por Romário levou a uma investigação judicial que transita sob segredo, após nove meses parada.

Assim como o pedido de prisão de Ricardo Teixeira formulado no ano passado pela Espanha, que o acusa de participar no caso que levou à prisão o ex-presidente do Barcelona Sandro Rosell.

Separação

Com tudo jogando contra fora do Brasil, Del Nero se tornou para muito o "Marco Polo que não viaja", desde aquele fatídico 27 de maio de 2015.

Também não sobrou rastro da relação com seu "gêmeo" Marin, como os descreveu uma testemunha durante o julgamento. Sua precipitada saída da Suíça, deixando para trás a octogenária esposa do amigo, os separou definitivamente.

"Marin era o dirigente que fazia os brindes, enquanto Marco Polo comandava tudo", explicou o advogado de Marin durante o julgamento.

Não é o único que garante que Del Nero continua mandando no futebol brasileiro, apesar do banimento da Fifa.

"A casa dele continua a ser frequentada pelo mundo do futebol, pelos dirigentes da própria CBF e das federações estaduais, tanto que ele teve influência decisiva para fazer deste Rogério Caboclo o próximo presidente da CBF", lembrou Kfouri.

Ricardo Teixeira também não parece muito preocupado, citado no julgamento como um dos pilares do sistema de corrupção desvendado, ao lado do paraguaio Nicolás Leoz e do falecido Julio Grondona, chefão do futebol argentino durante anos.

Investigado também na Espanha, na Suíça e em Andorra, Teixeira sabe que não deixará o Brasil tão cedo.

"Tem lugar mais seguro que o Brasil? Qual é o lugar? Vou fugir de quê, se aqui não sou acusado de nada? Você sabe que tudo que me acusam no exterior não é crime no Brasil. Não estou dizendo se fiz ou não", declarou o próprio Teixeira à Folha de São Paulo no ano passado.

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