- Arquivo
Arquivo
Por Irma Lasmar
Niterói - Os donos de estabelecimentos comerciais não contemplados com a flexibilização do isolamento social estão preocupados. Enquanto muitos deles correm o risco de não abrirem mais as portas em função das dívidas acumuladas com aluguel e salários de funcionários, outros já decretaram falência. O lockdown na cidade divide opiniões, e mesmo aqueles que acreditam na periculosidade do coronavírus - e concordam com a aplicação de determinadas medidas preventivas - são contra o fechamento do comércio. 
"As contas não param de chegar. Tenho duas filhas e a mensalidade escolar, apesar de negociada em 40% de desconto, pesa no bolso de quem não tem renda mensal há quase três meses. Sou viúva, sem pais vivos, e não tenho a quem recorrer. Não pedirei empréstimo bancário, apesar de ter crédito para isso, porque não sei como estará minha vida financeira quando a pandemia passar. Não vou correr o risco de não conseguir cumprir com esse compromisso. Reconheço o esforço do prefeito Rodrigo Neves em conter o avanço do contágio de covid-19 no município, e sei que meu negócio não é serviço essencial, mas estou em pânico com a iminência de não ter nem como comprar comida um dia, se tudo isso demorar a passar", desabafa Inês Sobral, de 37 anos, proprietária de uma pequena loja de roupas femininas no Ingá, que não conseguiu solicitar um dos benefícios sociais emergenciais da Prefeitura porque não tem MEI nem funcionários, pois recebe a ajuda de uma amiga no balcão somente aos sábados, pagando-a com comissão.
Publicidade
Essa esperança já não tem mais Marcelo Souza, dono do centenário Café Sulamérica, segundo mais antigo alvará de restaurante em Niterói, localizado na Rua Visconde do Rio Branco, no Centro. Fechado desde 18 de março, o empresário conseguiu manter sete dos 17 funcionários, muitos deles com mais de vinte anos de casa. Ele diz que se cadastrou no programa Niterói Supera, uma parceria do governo municipal com o Banco do Brasil para concessão de empréstimo sem juros a empresas, mas ainda não teria recebido resposta.
“Sobrevivi à crise econômica que assola o estado do Rio nos últimos três anos, injetando 250 mil reais na minha empresa. Nesse período, inúmeros estabelecimentos fecharam ao meu redor e eu resisti”, relembra ele. “A proprietária do imóvel onde funciono é solidária e não me cobrou o aluguel do mês passado, compreensiva ao panorama geral. Mas será muito difícil reabrir as portas caso não consiga o auxílio municipal, que me permitiria pelo menos uma tentativa”. Ele não se inscreveu no programa Empresa Cidadã, que auxilia no pagamento de até nove funcionários de empresas com até 19 funcionários por discordar da exigência de não demissão de pessoal até dezembro.
Publicidade
Marcelo questiona alguns segmentos estarem abertos sem necessidade, como lojas de materiais de construção e de decoração, e critica a fiscalização da Prefeitura, que não estaria sendo realizada de modo homogêneo na cidade, mas focando em ruas de maior movimento e visibilidade, como a do café dele. “O isolamento social é legal, mas não desse jeito. Se todos tivessem cumprido lockdown mesmo, com fiscalização intensiva e séria, em um mês as coisas estariam controladas, e já poderíamos ter aberto as portas tomando todas as precauções com máscaras, luvas, distanciamento de um cliente para outro e o uso do álcool 70. Estou liquidando tudo o que tenho para cumprir minhas obrigações fiscais e trabalhista. Só quem está no comércio sabe o que é isso”, diz.
O infectologista Francisco Belmonte afirma, porém, que um mês de isolamento social rígido não seria suficiente para conter no município um contágio de proporções pandêmicas, e que só os equipamentos de proteção individual, a higiene e o distanciamento físico não funcionariam. "Necessário lembrar que pandemias são devastadoras e demoradas. Por mais avançada que seja a medicina moderna, estamos lidando com um inimigo invisível, provocando um cenário de guerra, em que a única solução é se abrigar em casa enquanto não se produz a vacina para combatê-lo. A gripe espanhola durou quase dois anos, quebrou a economia mundial, matou o presidente brasileiro da época e cinquenta milhões ao redor do mundo, ou seja, mais do que mataria a segunda guerra mundial duas décadas depois. Não deixemos o ritmo acelerado da rotina de nossas vidas guiar nosso bom senso", dispara o especialista.
Publicidade
Para abrir seu armarinho esta semana, Clicia Tancredo acrescentou nas prateleiras itens de pet shop – serviço considerado essencial pelo decreto municipal que determina o isolamento social – já contemplados em seu alvará. A loja, localizada na Rua Aurelino Leal, está rodeada de tantas outras ainda fechadas, o que diminui o movimento de clientes na via. “O movimento está muito muito fraco. As poucas pessoas nas ruas circulam com medo. Não sei como farei para compensar os 73 dias de portas fechadas. Preciso trabalhar para não ver findar, de uma hora para outra, o que conquistei durante toda a vida”, desabafa ela, que conseguiu o benefício municipal para os funcionários do programa Empresa Cidadã e foi aprovada no programa Niterói Supera, do qual ainda não recebeu o contato do banco.
Publicidade
Moradora de Itaipu com marido e um casal de filhos, a comerciante de 46 anos é consciente da importância do isolamento para controle do contágio por coronavírus, mas se sente desamparada pelos governantes. “Sei que ninguém esperava por um momento assim. Tenho uma avó de 97 anos que mora sozinha em Icaraí e estamos amparando à distância, com a qual nos preocupamos. Ela dispõe de estrutura de homecare para que não se contamine por qualquer descuido. E, da mesma forma, importamo-nos também com a segurança das famílias dos funcionários, com os quais temos responsabilidades. Respeito a quarentena, pois o vírus é real e está matando diariamente, mas não poderia ficar confortável na minha casa com piscina e jardim enquanto meus empregados ficam sem dinheiro, daí minha decisão de reabrir a loja. Fico apavorada em imaginar o tanto de pessoas sem comida”, conta Clicia, que diz ter conseguido o benefício municipal para os funcionários, porém sugere um apoio maior aos pequenos empresários que, como ela, estão neste período acumulando dívidas com despesas operacionais fixas, como luz e aluguel.
A Prefeitura de Niterói informa que segue conversando com o Banco do Brasil para acelerar a concessão de crédito no programa Niterói Supera, que prevê empréstimos a juro zero em instituições financeiras credenciadas pelo município, com seis meses de carência e pagamento em até 36 vezes. Além disso, o governo municipal declara que também vem negociando parcerias com outras instituições financeiras para ampliar a oferta às empresas inscritas aprovadas. "A política macroeconômica é responsabilidade do governo federal, mas mesmo assim estamos atuando porque nós entendemos que é uma ação importante e necessária para a economia de Niterói. Nós sabemos que as empresas precisam desse apoio para ontem e vamos trabalhar incansavelmente para acelerar a concessão de crédito através do Niterói Supera", assegura o prefeito Rodrigo Neves.
Publicidade
Sobre os critérios e procedimentos de fiscalização, o Departamento de Posturas declara que realiza ações diárias para fiscalizar o cumprimento dos decretos municipais 13.604 e 13.605, que autorizam a abertura de alguns estabelecimentos e determina protocolos sanitários a serem cumpridos. De acordo com o órgão, já foram emitidas, desde o início da implantação das medidas restritivas na cidade, mais de 550 notificações a lojistas com o objetivo de orientar sobre as normas a serem seguidas. Ainda foram aplicadas 420 intimações para adequação em comércios em desacordo com a lei e outros 157 autos de infração (multas) por descumprimento dos decretos.
O Centro Integrado de Segurança Pública (CISP) já registrou, desde o início da pandemia, mais de seis mil chamados relacionados a irregularidades no cumprimento das medidas sanitárias ou do isolamento social, e garante manter equipes fiscalizando todos os bairros, inclusive da Região Oceânica. Segundo os porta-vozes do departamento, as denúncias são encaminhadas, por perfil da demanda, a outros órgãos municipais ou forças de segurança. No caso de denúncias sobre estabelecimentos abertos sem autorização ou em descumprimentos dos decretos municipais, os agentes de Posturas são acionados.