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Por Luciana Guimarães
Niterói - Maria Luiza de 7 anos aproveitou o reveillon de 2020 para projetar para os pais o desejo de até o Natal desse ano ter por completa a coleção de bonecas favoritas. Passados tantos meses, trancafiada, a doce menina almeja agora o simples e novo para 2021:
"Eu tenho tempo, tenho um monte de bonecas e não tenho vontade de brincar como antes. Fico olhando pra elas e querendo descer e andar de bicicleta, andar entre as árvores, correr. Poder ir ao Campo de São Bento sem medo e sem máscara. Eu não gostava tanto de ficar ao ar livre, e agora, sempre que meus pais me chamam me arrumo bem rapidinho.", ela conta rindo entre os comentários e sem perceber que é isso mesmo que estamos todos vivendo: uma requalificação do que nos contenta e nos deixa exultantes.
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2020 chega ao fim com gostinho de lição de casa. Nossas crianças primeiro lidaram com o impacto, depois a aceitação e, por fim, o aprendizado.
Para muitos foi preciso revisitar vidas, ressignificá-las e podemos olhar para aspectos que até então estavam esquecidos ou até mesmo para alguns achávamos que não tinham valor.
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Com a capacidade de compreensão e abstração desenvolvida, é importante verificar o que crianças entenderam sobre o que receberam de notícias e quais são as suas principais preocupações e sentimentos em relação ao cenário atual. A maior crise sanitária do século já afetou a saúde mental e o estresse tóxico é uma das consequências. 
"Converso sempre com ela. Mostro que devemos ter cuidado, responsabilidade social e paciência para aguardar que a vacina chegue, que tudo melhore. Mas nessa idade, equilíbrio e serenidade são inabituais. E uma maneira de manter a esperança no ar é conversarmos sobre os desejos para o futuro e ela cada vez mais se revela reconfortada por ideias até então triviais como um banho de mar." relata Sávio Leandro, pai da menina.
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Não se sabe quanto tempo tudo isso irá durar e quais serão as consequências sociais. Portanto, no momento, cabe a prevenção e transcorrer de forma serena. Para a pedagoga Danielle Littiere, a transformação de princípios foi inevitável: "Penso que as pessoas esqueceram o que realmente importa na formação de uma criança. Só trabalho era o que importava pois com ele vinham os recursos para coisas materiais como brinquedos e eletrônicos. Porém, com a pandemia esses valores foram repensados e começamos a reaprender a valorizar e ensinar nossos filhos a valorizarem o que realmente importa como família, brincadeiras ao ar livre e estar com os nossos amigos. E vimos que isso era bom.", ela afirma.
Miguel, de 9 anos, anda da sala para o quarto, do quarto pra varanda e vice versa, com a bola que ele costumava jogar com os amigos. As partidas ficaram na memória e o máximo que ele vivencia de futebol se resume aos jogos que imitam as amadas peladas no vídeo game, que nem precisa de mais opções: "Eu adorava esse jogo que leva a gente para dentro de um estádio. Mas eu jogava de vez em quando. Agora não tem mais graça. Eu quero mesmo é correr descalço na rua, fazer um gol e abraçar meus amigos. Estou com saudade do Horto do Fonseca."
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A gente compartilha desse desejo, Miguel. Rever a família, amigos, até conhecidos se tornou artigo de luxo e aguardamos esses feitos com a ansiedade de quem pergunta naquela viagem de minutos no carro dos pais: "tá chegando?"
As reações emocionais e comportamentais das crianças à pandemia ainda serão sentidas à longo prazo. Não há como prever o que futuramente esse isolamento e incerteza acarretaram. 
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"As crianças estão suscetíveis às repercussões psicossociais da pandemia. A desigualdade social também determina diferentes níveis e condições de vulnerabilidade sobre a experiência da infância, de modo que os profissionais da saúde devem estar atentos às demandas de atenção e cuidado que se produzem nessa situação”. Essa é a reflexão proposta pela cartilha da série “Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid-19”, elaborada por pesquisadores colaboradores do do Centro de Estudos e Pesquisas em Emergências e Desastres em Saúde (Cepedes/Fiocruz), sob coordenação de Débora Noal e Fabiana Damásio, diretora da Fiocruz Brasília.
São aspectos muito divergentes e que assolam os pequenos em dúvidas e incertezas, sabemos disso. Mas há de se considerar também que nunca uma geração ouviu tanto falar em de resiliência, solidariedade e compaixão. Com muitos pais perdendo o emprego, diminuição brusca da renda e a necessidade de se guardar dinheiro para um amanhã incerto, a mudança de paradigma infantil sobre o que é ou não um presente veio a calhar. 
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A espevitada Ana Praia de 7 anos, adora percorrer o prédio onde mora perguntando aos vizinhos, principalmente os idosos, se eles precisam de ajuda: "Eu tenho um monte de vizinhos velhinhos e sei que eles não podem sair. Junto com minha mãe perguntamos se querem que a gente vá ao mercado, farmácia ou só damos um boa noite legal mesmo. Eu quero é ir na casa deles comer bolo."
Os pais tentam: investem em atividades lúdicas, brincadeiras, livros, filminhos, exercícios - os que são possíveis -, a vitamina D naquela frecha de sol que bate na varanda e um conjunto de escapatórias para que eles não sofram tanto. Marcella, mãe da pequena Nicole de 5 anos, aproveita as encomendas de bolo para chamar a pequena para ajudar e assim se distrair um pouco: "Ela é uma criança muito agitada e feliz. A pilha não acaba e imagine tanta energia presa em casa. Me desdobro pra fazer dessa rotina de confinamento algo menos desagradável."
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Nicole brinca, mas não no que mais quer de resolução de ano novo: "Quero que esse bichinho verde e feio vá embora. Quero que o mundo seja feliz de novo." E esse é um pedido e tanto.