Por tamyres.matos

Haiti - O sorriso largo e a satisfação com que Lindomar Silva Pinto, o Tarta, fala sobre o trabalho que desenvolve na região metropolitana de Porto Príncipe, a capital haitiana, não são maiores que a sua generosidade.

Há dois anos e meio, ele deixou a família e o trabalho de 23 anos numa estamparia em Macaé, no Norte fluminense, para se dedicar a um projeto social que devolve a 140 haitianos a esperança de refazerem suas vidas. Numa época em que o Brasil luta por mudanças sociais, centenas de brasileiros como Tarta dão exemplos de cidadania também longe de casa, mostrando que não há fronteiras para a solidariedade.

No início, Tarta era mais um de muitos voluntários que fizeram as malas e voaram para o Haiti. Na bagagem, além das aulas de serigrafia que daria, levou a ansiedade de ir para local desconhecido e violento, mas muita disposição para ajudar a população carente. Dois anos depois, com domínio do creóle, o idioma local, começou a trabalhar na ONG Viva Rio, despediu-se de vez dos parentes e vive como o mais carioca dos locais.

Flávio Saudade ajudou haitianos através da capoeira. Lindomar Silva Pinto%2C o Tarta%2C se dedica a projeto social que devolve a 140 haitianos esperança de refazer a vida Ernesto Carriço / Agência O Dia

Arrasado por terremoto que matou mais de 300 mil, em 2010, o Haiti tenta até hoje se reerguer. E é com os escombros de casas e prédios, que Tarta vai reconstruindo, tijolo a tijolo, a vida da população local: reciclado, o material vira blocos para a construção civil. Ele ainda ajuda artistas de rua a viver da arte. “A sensação de ser útil é o que me move. Nunca me senti assim antes, dando dignidade e um trabalho honesto a essas pessoas”, ensina.

Depois de aposentar a farda, Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM carioca, também iniciou trabalho social para a redução da violência em Bel Air e dá total apoio aos brasileiros solidários: “Migrei da Segurança Pública para a Segurança Humana nesse país que aprendi a respeitar e amar, e que sofreu diversos eventos tristes. Que me perdoem os matemáticos, mas hoje continuo 100% brasileiro e me sentindo 50% haitiano”.

Olhares e sorrisos na bagagem

Ainda desfazendo as malas da viagem que terminou dia 30, as dentistas paranaenses Sumai Nogueira e Paula Carolina continuam sob efeito da experiência que viveram no Haiti. Em pouco mais de duas semanas e dentro de dois consultórios móveis, elas atenderam mais de 300 adultos e crianças carentes da região de Bel Air, maior área de conflitos de gangues. Quando partiram, deixaram para trás um consultório recém-criado, além de parentes e amigos incrédulos. Mas trouxeram de volta a experiência mais impactante de suas vida.

“Em alguns momentos sentimos um pouco de hostilidade, desconfiança, mas todas as dificuldades eram nulas diante de cada olhar de gratidão que recebemos. O que parecia um procedimento rotineiro, algo bobo, era festa para eles. Nunca vi ninguém ficar tão feliz ao colocar um dentinho! A experiência lá me instigou a fazer mais”, planeja Sumai.

Capoeira para cidadania

Para o mestre de capoeira Flávio Saudade, cada toque do berimbau significa o resgate da vida de um jovem. Desde que mudou do Rio para o Haiti, há cinco anos, ele já retirou mais de mil pequenos haitianos de situações de risco e violência com o projeto Gingando pela Paz.

Ele sabe o valor do trabalho solidário porque sofreu na pele as consequências de viver sem perspectivas. Depois de ser ajudado, ainda adolescente, viajou o mundo ensinado jovens carentes em países como África e Alemanha. “O mais duro foi ficar longe da minha filha. Mas a solidariedade pode reconstruir a humanidade”.

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