Rio - Elas já conquistaram o direito de trabalhar fora, de votar e estudar. Governam países, dirigem companhias. No entanto, uma velha bandeira volta a ser defendida com força por uma nova geração de mulheres, no mundo todo: o direito de manter os pelos.
Estudantes de audiovisual na Universidade Federal do Rio, as amigas Clarissa Ribeiro, 23, Fernanda Bigaton, 26, e Clara Facuri, 23, não dividem apenas o apartamento. Compartilham também a ideia de não-depilação desde o início do ano. “Tudo começou quando um amigo postou frase preconceituosa em grupo na Internet”, relembra Clarissa. O amigo debochava de uma antiga foto da cantora Madonna exibindo o corpo coberto de pelos. “A partir daí, deixamos crescer. É mais natural”, diz Clara.
O que defendem as meninas é o direito de ter ou não pelos. “Muitas pessoas consideram falta de higiene, ou perda de feminilidade. Não percebem que a vida inteira somos empurrados a obedecer um padrão, sem pensar sobre ele. Por que é bonito se depilar?”, questiona Clarissa.
Assim como ela, muitas mulheres já abriram mão das lâminas, ceras e afins em diversos países. O documentário ‘My, body. My hair’, traduzido por ‘Meu corpo, Meu pelo’, filmado em Londres, fez sucesso na internet mostrando mulheres que lutam contra a ditadura dos pelos do outro lado do oceano. Nas redes sociais, pipocam movimentos feministas contra a depilação, como o ‘Suvaco Riot’ e ‘F*ck! Shaving’, este último com mais de 7 mil seguidoras.
Nos relacionamentos, o ‘excesso’ de pelos não parece afastar possíveis parceiros. “Homens de mente mais livre é que se aproximam. Eu estou namorando”, diz Fernanda, despreocupada. Para as meninas, a mudança de mentalidade dos brasileiros ainda está longe, mas é possível. “É um processo lento. O que queremos é plantar a semente de que a mulher pode ter pelos, se quiser”, define Clara.
Opção divide a opinião masculina
A questão polêmica divide opiniões masculinas. Para o músico Vítor dos Santos Ribeiro, 22 anos, pelos não causam incômodo. “A feminilidade não está nisso. A identidade vai além da questão dos pelos. Uma mulher pode ser feminina de várias formas. Eu acho bonito”, defende.
Do outro lado, o jurista Daniel Carneiro, de 31 anos, acha que se não for possível tirar os pelos, que sejam mantidos “nos lugares certos”. “Muitas mulheres gostam de homens cabeludos. Acredito que passe maturidade, força e masculinidade. O homem não espera o mesmo de uma mulher. Os pelos são características masculinas”, argumenta.
Proposta vem dos anos 60
A coordenadora de Direitos Humanos e feminista da ONG Criola, Lúcia Xavier, 54, explica que a proposta feminina de manter pelos vem da década de 60: “A mulher é pressionada a organizar o corpo conforme o mercado. A luta é para que não sejamos obrigadas a estar num padrão estético”. Lúcia diz que os anos 80 trouxeram novo modelo, ‘de mulher glamourosa e higiênica’. Segundo ela, a mídia constrói o desejo masculino. “Eles passam a querer mulher sem marcas, cicatrizes, varizes, celulite, estrias ou pelos. Uma boneca que não existe”, define.
A apresentadora Adriane Galisteu, que já apareceu em fotos com pelos nas coxas, descoloridos, dá a receita: “A mulher tem que ter liberdade de escolher se quer pelos. O importante é se olhar no espelho e gostar”.