Rio - Na noite de quinta-feira, a artesã Mailde Reis, de 53 anos, moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, se arriscava sob chuva intensa para trocar a lâmpada acoplada na ponta de um bambu, ignorando a possibilidade de tomar choque. Ela mantém a fonte de luz na porta de casa, ironicamente debaixo de um poste da Light, há mais de um ano inativo. O mesmo é feito pelos vizinhos, já que o breu é total no lugar, onde mais 13 postes estão com lâmpadas queimadas.
Abandonados pelo poder público e cansados de esperar por melhorias onde vivem, milhares de cidadãos fluminenses, sozinhos ou em mutirão, acabam apelando para a solidariedade e improviso para cumprir o papel que governantes e concessionárias deveriam cumprir. Mesmo pagando impostos e taxas por serviços essenciais, como iluminação, varrição e conservação de ruas e calçadas, os “sem-atenção” dos governantes vão à luta atrás de melhor qualidade de vida.
“Meus parentes chegam tarde do trabalho em casa. Fico preocupada com a escuridão, pois os assaltos nessa área são constantes. O jeito é iluminar a entrada da casa assim”, lamenta Mailde, ao lado dos vizinhos João Moraes, 59, e Celma Gomes, 50, que também adotam o mesmo procedimento na Avenida Rio D’Ouro, Vila Cláudia, no bairro Itaipu.
Na Avenida Suburbana, na Boa Esperança, na divisa de Belford Roxo com Nova Iguaçu, Aloan de Lima, 30, está construindo uma pracinha. “Não temos área de lazer. As duas prefeituras fazem jogo de empurra-empurra e não fazem nada por nós. Resolvi ir à luta”, justifica Aloan., que diz ter gastado pelo menos R$ 8 mil na construção de mesas de concreto para pingue-pongue e carteado, além de 15 postes de iluminação. “Na minha rua, contratamos eletricista para trocar lâmpadas (de R$ 90 cada uma)”, ressalta o pastor da Igreja Pentecostal Jesus é Vivo, Renato Lugão, 53.
Contra ratos, o jeito é ter gato em casa
Mailde Reis lamenta pagar por mês R$ 13,56 de taxa de iluminação à Light. Na mesma rua, onde moradores pagam R$ 70 de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Patrícia Oliveira, 37, cria gatos para, segundo ela, afugentar os muitos ratos que saem do lixão em sua porta. “É humilhante”, desabafa Patrícia.
A assessoria de imprensa da Prefeitura de Belford Roxo alegou que uma empresa foi contratada para a manutenção dos postes de luz e prometeu que o lixão em frente à casa de Patrícia será extinto na semana que vem. Além disso, informou que vai verificar a legalidade da pracinha construída na Avenida Suburbana.
Associação faz tudo em Camboinhas
Em Camboinhas, bairro de classe média de Niterói, a associação de moradores (Soprecan) funciona como uma miniprefeitura. Os donos das 2,2 mil residências pagam taxa de R$ 212 por mês, e a associação faz tudo que a prefeitura deveria fazer, menos a coleta de lixo. “Se fôssemos esperar ações governamentais, estaríamos vivendo numa selva amazônica”, compara o presidente da Soprecan, Stuessel Amora.
Luiz Resende, responsável por serviços de emergência, diz que sua equipe faz tudo, incluindo de varrição a apreensão de animais — como cobras —, passando por poda de árvores, instalação de postes e recuperação de calçadas. A associação é responsável também por uma central com 28 câmeras que monitora as principais ruas e já ajudou a polícia a esclarecer crimes. A prefeitura não se manifestou.
Frustração e mobilização
Doutor em Ciências Sociais, o sociólogo Rudá Ricci ressalta que a mobilização de moradores nestas áreas do Estado do Rio de Janeiro é resultado da desorganização do poder público na execução de projetos considerados prioritários pela população.
“As manifestações nas ruas desde junho provam a total insatisfação e reprovação em relação a essa geração atual de políticos, que não foi forjada nas comunidade, mas, sim, catapultadas ao poder”, opina Ricci. Ainda de acordo com o sociólogo, a mobilização também traduz “a frustração e o desespero dos contribuintes diante da má aplicação dos recursos públicos.”