Rio - Inquieto, Thiago Firmino gesticula quando fala do Santa Marta. Guia local, ele leva até 70 turistas por mês num tour que mostra a favela como ela é: “Favela modelo? Que nada. Sete das 16 antenas do wi-fi grátis estão quebradas, o plano inclinado para toda hora e o lixo tá um caos”, diz. Cinco anos após a retomada do território pelo Estado, a primeira favela a ganhar uma UPP pulsa. Se por um lado permanecem problemas cujas soluções parecem simples, por outro apresenta sucessão de fatos que a põem no caminho da inclusão.

“Os imóveis no entorno da comunidade valorizaram 50% acima da média após a pacificação”, conta Flávio Vasconcelos, sócio-gerente da Merkator Imobiliária. “É algo que se repete em outras áreas da cidade com UPPs.”
Essa tendência e outras histórias sobre os cinco anos da pacificação em favelas do Rio serão contadas pelo DIA nos próximos dias. O fenômeno imobiliário também gera frutos no morro. Sem registro de disparo de armas de fogo desde 20 de novembro de 2008, quando 120 PMs entraram no morro preparando o terreno para inaugurar a UPP um mês depois, o Santa Marta aproveita a onda. Diariamente, turistas sobem e descem pelo plano inclinado atrás da vista. No rastro deles, negócios.
Um deles é o Lajão Cultural da família de Thiago, palco de festas memoráveis. Outro é a agência publicitária NBS, há um ano na comunidade e que vai sediar o 8º debate da série ‘Rio, Cidade Sem Fronteiras’, quinta. Há ainda a revitalização do ponto de cultura do gaúcho Robespierre Ávila, as refeições do Bar do Zequinha, a loja de artesanato de Mariana Barbosa....
“Ocorrências mais comuns são lesão corporal e violência doméstica”, conta o capitão Jeimison Barbosa, comandante da UPP. Morador da Rua Min. Raul Fernandes, o jornalista Gustavo Camargo festeja. “Há 5 anos recuperei noites de sono.”
Lixo ainda é problema
A chegada dos serviços públicos não retirou o lixo do cenário do Santa Marta. Além dos sacos de detritos, móveis, fogões, carrinhos de bebê e entulho também são despejados por toda a comunidade. Segundo o presidente da Associação de Moradores local, José Mário dos Santos, o problema é agravado pelo número de garis que atendem o morro.
“São só 12 para mais de 10 toneladas que o Santa produz por dia. E muitos moradores não têm educação”, diz.
O jornalista Camilo Coelho, da agência NBS, lamenta o sumiço das lixeiras que ficavam espalhadas pela favela. “Fui reclamar na Comlurb e me disseram que tiraram, porque a população jogava lixo domiciliar e não pequenos papéis”, diz. Já Thiago Firmino pede que a prefeitura dê à comunidade a mesma operação Lixo Zero que existe no asfalto. O maior drama, no entanto, acontece quando o plano inclinado para. “O lixo acumula nas estações e fica insuportável”, diz Thiago.
‘Minhas filhas eram prisioneiras’
No meio da ladeira entre a creche da comunidade e sua casa, Jorge Luiz dos Santos leva a neta Lara, de 1 ano. O sorriso escancarado só desaparece quando ele relembra os tempos em que o poder paralelo dominava o Santa Marta. “Ainda bem que a Lara não pegou isso”, diz. “Foi difícil criar meus três filhos. Tinha que prendê-los em casa por causa da violência.”
Dono do Bar do Zequinha, José Bonfim Carlos passou pelo mesmo problema. O balcão da sua antiga birosca, hoje um famoso restaurante, servia de apoio para os fuzis do tráfico. “Minhas filhas eram prisioneiras”, revela.
Já Fabiana Silva não pode falar o mesmo de seus dois pequenos filhos, que leva apressada em busca de vaga no plano inclinado. Há dois anos na favela, tem outros problemas para resolver.
“O bonde volta e meia quebra e tenho que subir a pé”, reclama. “E o esgoto corre a céu aberto”. Talvez, um dia, ela possa fazer como Zequinha. Depois de contar com a ajuda das filhas para virar empreendedor, o negócio cresceu tanto que ele vai contratar um ajudante. “Será no verão”.
A NEM SEMPRE FÁCIL CONVIVÊNCIA ENTRE MORADORES E POLICIAIS
Na sede da Associação dos Antigos Alunos dos Padres Jesuítas, no pé do morro, o comitê de turismo do Santa Marta, com 11 guias locais, prepara reunião. A pauta já ficou repetitiva: o relacionamento entre moradores e policiais militares. “Queremos a polícia com diálogo”, começa Thiago Firmino. José Elias Duarte concorda. “Não é qualquer um que pode chegar lá e ser ouvido”.
Subcomandante da UPP do Santa Marta, o tenente Domingues discorda. Enquanto posa para a reportagem em meio aos guias e moradores, na laje do Michael Jackson, diz que a polícia é próxima dos moradores. “Temos um bom relacionamento com a comunidade. Participamos das reuniões e dos eventos que fazem”, garante.
A realização de eventos na comunidade é um dos pontos de atrito. Os guias reclamam da burocracia para conseguir autorizações para festas. Paulo Otaviano, da associação, diz que a comunidade quer a volta do baile funk na quadra, mas não consegue.
“Em compensação, quando a PM quer fazer o baile ‘Funk da Paz’, ela consegue”, reclama. Enquanto a reportagem fotografava o grupo na laje do Michael, Robespierre Ávila, coordenador do Ponto de Cultura de lá, e jovens dançarinos de hip hop que ensinam a criançada aproveitaram para avisar ao policial que farão uma exibição de cinema naquela noite. Domingues não impõe obstáculos. Em busca do consenso, o Santa Marta se discute. “Se não tivesse UPP, eu não seria guia. Aqui mudou muito, mas tem prós e contras”, resume Salete Duarte.