Combater a violência e urbanizar a cidade já eram temas de debates do Viva Rio nos anos 1990
Por bferreira
Rio - Quem quiser subir o Morro do Salgueiro, na Tijuca, para conhecer o restaurante do Marcelo da Paz, 34 anos, pode chegar através de rua pavimentada, obra feita pelo programa Favela-Bairro na década de 90. No meio da ladeira que também leva ao conhecido campinho de futebol, o estabelecimento cresceu muito nos últimos anos. Com o peito estufado, Marcelo mostra que aceita cartão de débito e até expõe na loja como objeto de decoração o maquinário antigo utilizado pela família para fazer pães.
O Morro do Salgueiro%2C na Tijuca%2C foi pacificado em 2010%2C mas moradores reclamam que há necessidade de fazer investimentos em serviços básicosSeverino Silva / Agência O Dia
Antes do programa, o morro não tinha 80% das escadas que possui hoje. De acordo com o comerciante, antes as passagens eram feitas em meio a pedras. E nessa mudança a ONG Viva Rio teve participação decisiva, por meio de parceria feita com a prefeitura à época. Prestes a celebrar os 20 anos da ONG, amanhã, seus fundadores lembram que, na agenda de questões que precisavam ser enfrentadas para discutir a violência no Rio na ocasião, também estava a urbanização da cidade, em especial nas comunidades.
O ex-secretário de Habitação do Rio Sérgio Magalhães recorda que, no início da criação do Viva Rio, visitou junto com o Herbet de Souza, o Betinho, umas das obras do programa e a sintonia entre o pensamento da organização e do programa se tornou evidente.
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“A nossa união ocorreu porque a entidade valorizou historicamente os aspectos culturais das áreas excluídas”, explica o criador do projeto.
A parceria fez com que parceiros da ONG estivessem presentes oferecendo cursos que ajudassem jovens a estudar e a população, em geral, a ganhar qualificação e competitividade no mercado de trabalho. Nesse período surgiu o programa de aceleração escolar. Entre 1993 e 2000 foram atendidas 155 comunidades.
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Pedido por melhorias na infraestrutura
O progresso da vida de Marcelo da Paz e de outros moradores do Salgueiro, porém, ainda esbarra em questões essenciais. “A única alteração definitiva foi no Favela-Bairro nos anos 1990. Desde então, não teve melhora na infraestrutura. Não houve manutenção das praças, o esgoto é um problema e falta água em diversos pontos da comunidade”, conta Marcelo.
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A instalação da UPP em 2010 permitiu a legalização do negócio de sua família que já existia há 20 anos, mas não veio acompanhada das ações de infraestrutura que o local necessita. Ele também critica a falta de conservação das estruturas existentes. O arquiteto Sérgio Magalhães concorda. “Infelizmente, nos anos 2000 isso foi desconstruído, não foi dado continuidade e se perdeu o que estava fazendo. Ocorreu queda da manutenção das obras”, aponta.
O programa da atual administração é o Morar Carioca, mas, na opinião de Magalhães, o projeto ainda não adquiriu corpo. “Ainda é mais expectativa que realidade”, avalia. Para ele, ainda há um desafio imenso a ser enfrentado na universalização de serviços públicos essenciais.
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Pesquisador: falta debate
Especialista em desenvolvimento comunitário da Universidade de Dundee, na Escócia, e ex-integrante do Observatório das Favelas, Fernando Lannes Fernandes observa que, mesmo com todas as iniciativas positivas decorrentes das obras de urbanização nos anos 1990, a sociedade não discutiu os problemas centrais da cidade.
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Ele reconhece que organizações como o Viva Rio desempenharam papel importante naquele período em que as comunidades estavam cercadas pelo crescimento do narcotráfico, mas, mesmo que o objetivo não fosse esse, as ações tomadas não permitiram discutir a cidade como um todo. “Um dos elementos mais problemáticos foi a perda de oportunidade de usar o Favela-Bairro como uma alavanca para uma reflexão mais ampla sobre o espaço urbano no Rio”, analisou Lannes.