Rio - A polícia está tentando identificar o homem que teria sido o responsável por acender o explosivo que atingiu o cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Idílio Andrade, de 49 anos. Ferido na cabeça durante o protesto de quinta-feira contra o aumento das passagens de ônibus, no entorno da Central do Brasil, ele continua internado em estado grave no Hospital Souza Aguiar. O suspeito aparece em imagens feitas por outros cinegrafistas e por um fotógrafo.
Ele está de calça jeans e camisa cinza, e aparece de costas e correndo após, segundo este fotógrafo, colocar o artefato no chão, próximo a Santiago. O relato do profissional — que deverá ser convocado como testemunha — corrobora com a investigação da polícia.
Ontem, o delegado da 17ª DP (São Cristóvão), Maurício Luciano, afirmou que o artefato não foi lançado pela PM. De acordo com as investigações, o explosivo é um fogo de artifício do tipo rojão de vara ou treme-terra. A polícia tem apreendido esses artefatos com manifestantes nos últimos protestos. Santiago sofreu afundamento de crânio e perdeu parte da orelha. Operado, ele está em coma no CTI e respira por aparelhos.
“A gente tem a convicção, pela avaliação dos especialistas, de que esse artefato não foi deflagrado pelas forças de segurança. Foi colocado por pessoas que estavam participando da manifestação”, afirmou o delegado, que aguarda o depoimento dos profissionais de imprensa que presenciaram o incidente.
“Precisamos ouvir testemunhas que possam confirmar que o rapaz que aparece de camisa cinza correndo é o que disparou o artefato. Com base nessa informação, já vamos tratá-lo como autor do crime”, disse Luciano, que abriu inquérito por tentativa de homicídio qualificado, com uso de explosivo, e crime de explosão. Se condenado, o acusado pode pegar até 35 anos de prisão.
Ele está analisando as imagens da imprensa, de câmeras do Comando Militar do Leste, da Prefeitura do Rio, da SuperVia e até as registradas por Santiago no momento antes de ser atingido. “Tem uma panorâmica da praça que não dá pra ver o momento em que ele acende o artefato. O próprio Santiago pode ter gravado o autor do crime”, disse.
Fragmentos do artefato que acertou o cinegrafista foram recolhidos ontem no local do crime durante a perícia. Técnico em explosivos do Esquadrão Antibombas, o inspetor Ellington Cacella explicou que o rojão precisa de autorização para ser disparado e tem que ser lançado a uma distância de 30 metros e com uma vara de um metro — o que atingiu Santiago estava a três metros dele.
Os agentes fizeram teste com um rojão igual ao que atingiu a vítima. “Ele foi lançado fora do padrão. O suspeito não respeitou as normas de segurança.” Ontem, o comandante do 5º BPM (Praça da Harmonia), Luís Henrique Marinho, afirmou na 17ª DP que viu um homem mascarado jogar o artefato em Santiago. Também prestou depoimento a repórter da Band Fernanda Corrêa, que acompanhava o cinegrafista.
Rojão usado no ataque pode matar, dizem especialistas
Especialistas ouvidos pelo DIA disseram que o rojão que atingiu o cinegrafista alcança até 1.680 metros por segundo de velocidade depois da detonação da pólvora que o compõe (60 gramas), o que pode matar na hora uma pessoa. Rodrigo Muller, instrutor da Muller Consultoria e Treinamento, alerta que o explosivo pirotécnico, com amplos feixes de luz, vem sendo amplamente usado em protestos por manifestantes, que o manipulam para que fique sem direção quando acionado.
“Manifestantes retiram a cabeça pontuda e a vareta que serve para lhe dar estabilidade. Assim, o transformam em algo perigoso e potencialmente mortal e sem trajetória definida”, explicou Muller. Segundo ele, o produto é regulado pela Lei Federal 4.238, de abril de 1942.
Os efeitos causados por esse rojão — semelhante ao que matou Kevin Espada, de 14, ano passado, num jogo do Corinthians na Bolívia — produz som alto, grande deslocamento de ar e rastro alaranjado. “Se atingir um muro, chamusca apenas. Num ser humano, pode matar”, reforçou o tenente da PM do Paraná Ilson de Oliveira Júnior, que tem experiência internacional em cursos de especialização militar em explosivos.
Wanderley Mascarenhas, fundador do Grupo de Ações Táticas Especiais de São Paulo, descartou a hipótese de que o artefato tenha sido confeccionado manualmente. “Pela minha experiência, visualmente, uma bomba caseira não era”.
Entidades repudiam violência e cobram providências
Associações de jornalistas, colegas de trabalho e representantes de direitos humanos cobraram ontem providências rigorosas contra quem disparou o rojão que atingiu o cinegrafista da Band. O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Celso Schröder, pediu rapidez nas investigações. “O estado tem que reagir com veemência contra a violência interna em manifestações”, afirmou. O âncora da Band Ricardo Boechat desabafou: “Foi uma bestialidade. Não importa o discurso que tente justificar a violência. Ela é inimiga da liberdade”, disse.
A Associação Profissional dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos defendeu, em nota, que o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio exija do Ministério Público do Trabalho ação efetiva contra a Bandeirantes, que, segundo a entidade, não estaria fornecendo equipamentos de segurança adequados a seus profissionais.
O Sindicato dos Jornalistas, por sua vez, se manifestou na noite de ontem por meio de nota oficial e culpou o estado e a Bandeirantes. “De nossa parte, mais uma vez, temos de cobrar das autoridades e das empresas que cumpram a sua responsabilidade de agir para a prevenção de casos como o de Santiago”, diz um trecho do texto.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo lembrou que Santiago é a terceiro jornalista ferido em manifestações este ano. Em 2013, foram 114. “É preocupante que 2014 comece com mais violência ”, diz nota. Margarida Pressburger, do Subcomitê de Prevenção da Tortura das Nações Unidas, disse não estar havendo aprendizado algum nas manifestações. “Só repetição do caos”, opinou. Em 2011, outro cinegrafista da Band, Gelson Domingos, de 46, morreu após levar tiro enquanto cobria operação policial em Antares, em Santa Cruz.
Conflito deixa marcas na Central do Brasil
Na manhã de ontem, a região próxima à Central do Brasil ainda apresentava marcas do conflito.Quem desembarcava na estação era obrigado a enfrentar filas, enquanto técnicos da SuperVia realizavam reparos em 20 roletas quebradas. Painéis informativos eletrônicos estavam danificados. Muitos ainda guardavam na memória as cenas de horror vividas horas antes.
A cabeleireira Andrea de Paula, de 41, conta ter ficado esperando, no meio da rua, até que as portas da estação fossem reabertas. “Ouvia o barulho das bombas e via foco de incêndio.
Chorava de desespero em pensar como seria minha volta para casa”, disse a moradora de Bangu, sobre os 30 minutos em que, segundo a SuperVia, os acessos foram bloqueados pela Polícia Militar, para conter os atos de radicais. Quando as portas foram reabertas, ela conta ter conseguido embarcar de graça.
De acordo com a SuperVia, lixeiras e várias placas de sinalização também foram destruídas. Até as 10h, operários soldavam portões de acesso ao terminal, que foram derrubados, e tapumes, usados como escudos contra as investidas policiais. Somente no começo da tarde, cerca de 16 horas após o conflito, foi realizada perícia no local. Por volta do meio-dia, agentes da 17ª DP (São Cristóvão) e do Esquadrão Antibombas da Polícia Civil estiveram no local, em frente à sede da Secretaria de Segurança, na Avenida Presidente Vargas.
Até então, o trecho permanecia sem isolamento. Apesar de ter sido rota de inúmeros pedestres, uma poça de sangue evidenciava que Santiago fora atingido ali. Nessas condições, peritos recolheram vestígios que serão confrontados com as roupas do cinegrafista.
Durante a manifestação quinta-feira, 32 pessoas foram detidas, mas ninguém ficou preso. Duas vão responder por desacato, uma por dano ao patrimônio público, duas por porte de droga e uma por lesão corporal. Nenhum rojão foi apreendido. Outras seis pessoas ficaram feridas, nenhuma em estado grave.
Justiça mantém reajuste de tarifa
A juíza Neusa Regina Larsen de Alvarenga Leite indeferiu ontem uma ação popular liderada por políticos do PSOL contra a Prefeitura do Rio. A intenção era tentar impedir o aumento das passagens de ônibus para R$ 3. Porém, o reajuste começa a valer hoje.
De acordo com a decisão judicial, ‘o congelamento da tarifa não pode ser aceito, uma vez que, em uma primeira análise, o aumento é legítimo’. O pleito deu entrada no Tribunal de Justiça na quinta-feira. Na ação indeferida, os lucros das empresas de ônibus eram questionados.
O material tomou por base um estudo técnico feito por especialistas do Tribunal de Contas do Município (TCM), que indica que a passagem deveria estar 10% mais barata, custando R$ 2,50 e não subindo para R$ 3. Ontem, outra ação popular foi encaminhada ao órgão, esta liderada por Fernando Peregrino, político do PR e aliado de Anthony Garotinho. O TJ ainda não se posicionou.