Rio - Justiça ou Justiçamento? A ação de rapazes que se autoproclamam 'justiceiros' no Flamengo, bairro da Zona Sul do Rio, causou a profusão de discursos inflamados contrários e a favor de se fazer justiça com as próprias mãos. Um adolescente de 15 anos acusado de praticar assaltos no Aterro do Flamengo foi espancado e preso a um poste por um tranca de bicicleta no último dia 31 e o caso foi divulgado na Internet no dia 1 de fevereiro pela coordenadora do Projeto Uerê, Yvonne Bezerra de Melo.
No entanto, a ação de forças de segurança oficiosas não é nenhuma novidade no Rio e, além disso, existe uma onda de ataques a supostos criminosos e moradores de rua em diversos bairros da cidade, assim como um caso recente na Baixada Fluminense, que chocou pela brutalidade. No dia 23 de janeiro, um homem acusado de assalto foi assassinado com três tiros em plena luz do dia, em Belford Roxo. De acordo com a delegacia local (54ª DP), o assassino já foi identificado (mas não teve nome divulgado) e teve prisão temporária decretada.
"Historicamente, a sociedade brasileira é violenta e autoritária. A gente vive não só uma certa fragilidade do Estado em trabalhar articuladamente para evitar a impunidade como também há no poder público uma certa leniência (suavidade) com a violência do justiceiro, afinal de contas, isso não é uma coisa nova. Além disso, a sensação geral de insegurança acaba muitas vezes por endossar este tipo de ação para parte da população.", esclarece a doutora em sociologia e professora Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paula Poncioni, de 54 anos.
Ainda de acordo com Paula, atualmente se faz muito pouco para o avanço de políticas públicas que evitem este tipo de tensão social. "A presença da chamada UPP social ainda não é significativa, existe uma série de precariedades no que diz respeito às políticas sociais, o que torna frágil a necessária prevenção na área de segurança pública e não apenas o combate à violência depois que a situação está fora de controle", opina.
A Anistia Internacional (AI) condenou veementemente os casos de tortura e homicídio praticados por grupos de "justiceiros" no Rio. O diretor-executivo da AI para o Brasil, Atila Roque, afirmou na quinta que o país tem que escolher "entre o Estado de direito ou a barbárie", referindo-se ao apoio de algumas pessoas aos crimes cometidos por 'justiceiros' contra supostos criminosos.
A professora de direito penal da UFRJ Luciana Boiteux acredita que a sensação geral de insegurança é explicada pela falta de confiança da população nas medidas tomadas pelas autoridades. "As pessoas que apoiam a ação dos 'justiceiros' reagem instintivamente. A gente precisa conhecer mais a realidade, precisa mais da ação para prevenir o crime do que da repressão. Não há investigação dos crimes. Por exemplo, em 2009, fiz uma pesquisa que mostrou que 90% dos presos por tráfico de drogas são presos em flagrante. Isso é enxugar gelo. Afinal de onde vem essa droga?", questiona.
Internet: arena de polêmicas
Além da televisão, das conversas nas mesas de bar e no horário do almoço, a Internet se firma cada vez mais como um importante mural da opinião púlica. No Brasil e, especificamente, no Rio de Janeiro, os debates políticos se tornaram mais frequentes no Facebook, por exemplo, após o crescimento e multiplicação das manifestações em junho do ano passado.
"Eu acho que os temas polêmicos, que envolvem violência, têm um apelo emocional muito grande. Esta emoção é o combustível da Internet. Quando isso acontece, esses lados emocionais afloram. Nossas timelines (linhas do tempo) estão muito politizadas, esses temas mais políticos, mesmo em campos criminais, ganham cada vez mais espaço", acredita o Coordenador do Laboratório de Estudos em Imagem e Cibercultura (Labic), Fábio Malini, de 36 anos.
Malini acredita que a polêmica ganhou maiores dimensões após Rachel Sheherazade se manifestar sobre o assunto com a sugestão de que defensores dos direitos humanos adotassem um bandido. Para ele, aumenta notadamente o número de ativistas na rede, mas também há uma parcela dos usuários que dá voz a ideais conservadores.
"Houve uma sobrecarga interativa depois da fala da jornalista do SBT. Acho que existe inicialmente uma força intensa dessa cultura que repete: 'bandido bom é bandido morto'. A rede se bifurcou e virou uma certa disputa. Na Internet, não há verdade que produza hegemonia. No entanto, a rede não é caótica. Há várias lideranças de opinião, aquelas figuras proeminentes na sociedade se posicionam contra (a ação de justiceiros) e milhares de pessoas com menos curtidas que se colocam a favor", afirma.