Rio - Dono do semanário Panorama Regional, Pedro Miguel Palma, de 47 anos, chega em casa na noite do último dia 13, em Miguel Pereira, no Sul Fluminense. Na porta da residência, na Rua Dona Carola, distrito de Governador Portela, dois homens numa moto, ambos de capacete, se aproximam. O carona saca uma pistola e o executa com três disparos — dois na cabeça e um no peito. Palma foi o quarto jornalista assassinado a tiros em menos de quatro anos, entre o Sul e o Centro-Sul do estado.
O que assusta a categoria e revolta parentes e amigos das vítimas é a impunidade que impera sobre os casos. Até hoje, nenhum suspeito foi punido pelos crimes e apenas dois homens chegaram a ser presos, mas acabaram soltos posteriormente. Segundo investigações e testemunhas, os assassinatos teriam motivações políticas como pano de fundo, pois os quatro usavam seus veículos de comunicação para denunciar e questionar supostas irregularidades em prefeituras das duas regiões.
O semanário de Pedro Miguel Palma circula há 18 anos em nove municípios. Com medo de represálias e ainda abalados, familiares evitam comentários sobre o assunto, mas, no dia do enterro do jornalista, a mulher dele, Patrícia Palma, confirmou, em entrevista na televisão, que o marido vinha sofrendo seguidas ameaças de morte. Os “recados” eram dados por meio de telefonemas para a casa da família e para a sede do jornal.
Ainda conforme parentes, Palma não acreditava que as ameaças fossem levadas a cabo, mas instalou uma câmera na fachada de sua casa. O equipamento acabou captando toda a ação de seus executores. O delegado da 96ª DP (Miguel Pereira), Murilo Silva Montanha, disse ter enviado as imagens para serem periciadas no Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE). Montanha afirmou que ainda não tem uma linha definida de investigação sobre a causa da morte do jornalista, mas não descarta motivação política.
“Sabe como é. O que jornalistas escrevem sempre agrada uns e desagrada outros”, comentou o delegado, garantindo que a hipótese de tentativa de assalto é a única que não é levada em consideração pela polícia. Montanha já ouviu parentes e pessoas que trabalharam com Pedro. Também pediu a quebra de sigilo telefônico para tentar identificar o teor e origem das ameaças.
AS VÍTIMAS
PEDRO MIGUEL PALMA
O assassinato, no último dia 13, de Pedro Miguel Palma, nascido em Angola, teria sido cometido na frente da filha dele, de 18 anos. No Panorama Regional de sexta-feira, sua mulher, Patrícia, desabafou em um artigo: “A forma com que ele foi levado, covardemente, destruiu seus sonhos. Tirou dele o convívio com amigos e família. Tirou dele que assistisse a formatura de sua filha. A notícia corria em suas veias e pulsava em seu coração.”
JOSÉ RUBENS PONTES
Dono do Entre-Rios Jornal, Rubinho, como era conhecido, foi assassinado na madrugada do dia 30 de outubro de 2010. Ele estava num bar no Centro de Paraíba do Sul, quando foi morto com um tiro na nuca. O ex-PM Renato Demétrio, 49, acusado de ser o autor do crime, e outro homem, chegaram a ser presos, mas soltos posteriormente. Na época, a polícia investigava a disputa de territórios pela contravenção como possível causa da morte.
MÁRIO RANDOLFO LOPES
O jornalista e sua companheira, Maria Aparecida Guimarães, foram executados na madrugada do dia 9 de fevereiro de 2012. O casal foi rendido em casa e levado para a Estrada das Rosas, em Barra do Piraí, onde foi executado com tiros na cabeça. O possível envolvimento de um PM foi investigado, mas até hoje ninguém foi preso. Randolfo tinha vários desafetos na cidade e na vizinha Vassouras. Polêmico, ele comprou brigas até com PMs e juízes.
VALÉRIO NASCIMENTO
No dia 3 de maio de 2011, Valério Nascimento, 49, dono do jornal Panorama Geral, de Angra dos Reis, foi encontrado morto em casa no distrito de Lídice, em Rio Claro, com tiros de espingarda nas costas e cabeça. Ele participava ativamente de movimentos populares e fazia denúncias contra supostas irregularidades envolvendo políticos de Bananal (SP), na divisa com Rio Claro. Ninguém foi preso.
"Retrocesso democrático"
?Além de Palma, foram assassinados a tiros no Sul Fluminense os jornalistas Mário Randolpho Marques Lopes, de 50 anos, dono do jornal online ‘Vassouras na Net’, em fevereiro de 2012, em Barra do Piraí, e Valério Nascimento, 49, proprietário do periódico ‘Panorama Geral’, em maio de 2011, no distrito de Lídice, em Rio Claro. Já José Rubem Pontes de Souza, o Rubinho, diretor do diário ‘Entre-Rios Jornal’, foi executado em outubro de 2010, em Paraíba do Sul, no Centro Sul.
Em nota, a Associação Nacional de Jornais, reafirmou que <USTitCoordenaV1-0>“a violência contra jornalistas é um retrocesso no processo democrático e grave ameaça à liberdade de expressão”.
A Polícia Civil não deu detalhes sobre as investigações, limitando-se a informar, por nota, que os inquéritos, com exceção ao da morte de Pedro Palma, já foram encaminhados ao Ministério Público.
Crimes comuns, prisões raras
Crimes de pistolagem, como os cometidos nos casos dos quatro jornalistas, são comuns no Sul e Centro-Sul Fluminense. Famílias abastadas e violentas, maus policiais, políticos corruptos e contraventores, que disputam pontos de jogo do bicho e máquinas caça-níqueis, sempre aparecem como mandantes desses tipos de crimes. Mas, raramente, alguém é preso.
Em Vassouras, denúncias apontaram, supostamente, a participação de integrante da família Avelino — suspeita de envolvimento em cerca de 50 assassinatos na região desde a década de 60 — na morte do jornalista Mario Randolfo. “Não se chegou a nenhuma confirmação sobre essa acusação. Randolfo era polêmico, a ponto de ter arranjado desafetos até com PMs e juízes”, lembra o delegado José Omena, que conduziu o início das investigações.
Antes de se mudar para Barra do Piraí, Randolfo tinha sobrevivido a cinco tiros em Vassouras. O jornalista também questionava desvios de verbas públicas em prefeituras.
As quatro mortes engrossam estatística macabra que coloca o Brasil em primeiro lugar em número de jornalistas assassinados nas Américas, ultrapassando o México, uma das nações mais hostis para o exercício da profissão. De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), nove profissionais de jornais, TVs e rádios foram mortos no País desde o início do ano passado.