Por thiago.antunes

Rio - Dez dias após a ocupação do antigo complexo de prédios da Oi, no Engenho Novo, a cena vista do alto nem de longe lembra o terreno baldio que começava a ser loteado por pouco mais de mil pessoas, no dia 31. O espaço, já batizado de Favela da Telerj, e tomado por pequenas moradias improvisadas de madeira, hoje abriga cerca de oito mil ocupantes.

Número estimado por comissão de dez moradoras do local, que têm a missão de organizar o cadastro, feito em cadernos. Elas tentam resguardar os ocupantes de um despejo. A empresa dona do imóvel conseguiu a reintegração de posse na Justiça e vizinhos estão assustados e revoltados com a ocupação. “Há 3,5 mil catalogados. São cerca de 400 crianças e 60%, mulheres”, garante a antiga moradora de Manguinhos, Maria José Silva, uma das mulheres que viraram líderes. Pouca coisa acontece por lá sem o conhecimento da ‘liga’ formada por elas.

Natan Ferreira%2C de 19 anos%2C veio de Campos e ocupa área de 20 metros quadrados%2C para onde deve levar quatro parentes depois que o barraco ficar pronto%3A ‘Saí do aluguel'Vitor Silva / Agência O Dia

A dificuldade de fechar a conta ocorre porque os portões nunca se fecham para novos moradores. Diariamente, o espaço de 50 mil metros quadrados recebe novos costumes e sotaques. Pessoas de vários cantos do estado. Natan Ferreira, 19 anos, é um deles. De Campos, ele viu na mais nova favela carioca a oportunidade de recomeçar a vida. “Saí do aluguel. Vou trazer quatro pessoas da família”, diz ele, em 20 metros quadrados.

Espaço que um dia foi muito, hoje é escasso. Na porta dos barracos, famílias tentam resguardar os bens de assaltantes. No últimos dias, houve furtos e brigas por lotes. Tráfico de drogas é assunto proibido, apesar das pichações com a sigla de facção criminosa Comando Vermelho (CV).

Nos corredores, já batizados como ruas, com nome em placas improvisadas, cresce o comércio de alimentos e bebidas. Um amontoado se forma em torno de ambulantes com água em garrafas PET. Aglomeração semelhante pode ser vista em frente aos 16 banheiros da antiga companhia, que são divididos entre homens, mulheres e crianças. A espera pelo alívio chega a duas horas. Sheila Soares, 32, da comissão, desabafa: “Despreocupada só vou ficar quando nos deixarem morar em definitivo ou nos derem moradias longe daqui.”

Pequenos lotes são marcados com nome dos ocupantes e são vigiados para evitar roubos dos bensVitor Silva / Agência O Dia

OAB teme violência na desocupação

Ainda não há data para a desocupação da Favela da Telerj. Nada ficou decidido após a audiência realizada na tarde de ontem, no Fórum do Méier, que contou com o comandante do 3º BPM (Méier), Ivanir Linhares Fernandes Filho; representantes do estado; do município; Defesa Civil; Corpo de Bombeiros; OAB; e moradores da ocupação, além da Oi, empresa dona do terreno. Membros da PM saíram do local sem dar declarações para a imprensa.

Presidente da 55ª subseção da OAB/RJ, Humberto Cairo esteve no encontro e disse temer uma ação violenta da PM. Informou ainda que o comando do 3ºBPM disse não ter “tempo hábil para desocupar a área”. “Me parece que não há interesse em fazer a desocupação amigavelmente. As pessoas devem sair de lá com a presença do Batalhão de Choque”, disse Cairo, ciente da possibilidade de conflito. “O representante da PM disse que se a polícia chegar lá e jogarem um vaso sanitário sobre ele, haverá uma reação”, indicou.

Ocupantes estão dividindo o espaço em ruas com nome em placasVitor Silva / Agência O Dia

Uma das representantes dos moradores no encontro era Perla Soares, que saiu do Morro do Arará, na Zona Norte, onde pagava R$ 600 de aluguel, com os quatro filhos. "Claro que todos reagiram mal à falta de compromisso do governo. Vamos esperar", resumiu Perla. 

Segundo o representante da OAB, a entidade sugeriu que estado e município pagassem o aluguel social para os moradores da favela. “Jogaram a responsabilidade para Oi, que é a dona do espaço”, frisou Cairo. De acordo com ele, outra reunião deve ser realizada entre OAB e PM. À noite, uma assembleia foi realizada na ocupação.

Comércio e ambulantes faturam com a ausência de serviços básicos

A flagrante falta de estrutura da comunidade tem se mostrado a cada dia mais interessante para alguns. O comércio próximo tem faturado com a favelização. Diante da escassez de banheiros, por exemplo, bares têm cobrado R$ 1 pelo uso.

Mesmo que não tivesse vendido um única garrafa de cerveja ontem, Marco Antõnio Dutra, dono de um botequim da Rua Dois de Maio, havia faturado cerca de R$ 250 com os sanitários. “Se não cobrar, meu bar vai virar uma pocilga. Parte do lucro é gasto em produtos de limpeza”, afirma.

Entre os vendedores de comida, também é alto o lucro. As quentinhas são vendidas a R$ 10, enquanto latas de refrigerante custam R$ 3 e garrafas PET com água, cuja procedência é desconhecida, custam R$ 2. “É um absurdo. Pagar R$ 10 em carne assada, arroz e feijão”, disse a moradora de Friburgo, Sandra Augusto, enquanto almoçava.

O entra-e-sai de materiais usados para montar as residências, também é atraente para quem quer vender. O madeiril (tábua de madeira), que custa cerca de R$ 10 no mercado formal, pode ser comprado na porta por R$ 25. O dono de uma loja de materiais de construção próxima, que não quis se identificar, disse ter dobrado os lucros na última semana.

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