Comemoração organizada pelo Afoxé Filhos de Gandhi atrai 700 fiéis, que festejaram com comidas típicas, jongo, afoxé e samba
Por nicolas.satriano
Rio - “Aja yô! Eêê!” Os gritos de louvor anunciaram o início do cortejo para comemorar ontem o dia dedicado a Iemanjá. Com os braços para o alto, os devotos pediam saúde, paz e prosperidade à Rainha das Águas, no tradicional cortejo nas ruas do Centro do Rio. E a chuva que caiu na cidade, segundo os devotos, é sinal de alerta de um dos mais reverenciados orixás.
Muitos chamaram atenção, para o clima. “Essa falta de chuva é um aviso dela para respeitarmos mais a natureza”, alertou Oswaldo Sena Filho, o Cotoquinho, um dos puxadores do afoxé. “Mas hoje, no seu dia, o calor deu uma trégua e até caiu água do céu”, comemorou.
A festividade é organizada há 50 anos pelo Afoxé Filhos de Gandhi para homenagear a divindade. A concentração foi marcada para às 8h, na Cinelândia, e contou com cerca de 700 pessoas. “Nós pedidos licença, começando por Exu. Depois fazemos a homenagem a Iemanjá”, explicou Clátia Vieira, do Fórum Estadual de Mulheres Negras, que também participou do festejo.
Ao som dos tambores e dos cantos afro, o cortejo seguiu até a Praça 15, onde embarcou para um passeio na Baía de Guanabara. Em uma barca exclusiva cedida pela Secretaria estadual de Transportes, os devotos entregaran suas oferendas ao orixá. Os seguidores chegaram vestidos de branco e trouxeram as mais diversas oferendas nas mãos e em pequenos barcos: flores, espelhos, velas. A cantora e estudante de Enfermagem Eduarda Hermenegildo, foi agradecer à divindade a graça alcançada.
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“Há dois anos eu recebi a dádiva que foi o meu filho”, contou. Ela participa do grupo musical Dofonos que ajudava a animar a celebração.
Após o culto na Praça 15, os devotos foram para o Largo da Prainha, também no Centro do Rio. “O pessoal leva comidas típicas, tem jongo, afoxé, samba de roda, tudo relativo à cultura afrodescendente para louvar Iemanjá”, declarou Renato Marçal, membro dos Filhos de Gandhi.
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Culto é a forma de resistência da cultura afro
“Um povo que não tem história, não tem futuro”, disse Clátia Vieira, do Fórum Estadual de Mulheres Negras, que participou do cortejo de Iemanjá. Ela destacou a força política que o “Presente de Iemanjá” tem. “Cultuar Iemanjá e o candomblé é não perder a História do povo negro”, declarou.
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Segundo a ativista, o processo de visibilidade das populações marginalizadas passa pela aceitação de sua religião. “Não podemos inviabilizar a África. Nós também fazemos parte da História do Brasil, não só a Europa”, afirmou.
O candomblé, religião de matriz africana, enfrenta nos últimos tempos uma onda de preconceito. “Em momentos de crise, quem mais perde é o povo negro e isso também se reflete na nossa religião”, ponderou Clátia. “Se assumir preto e preta, festejar a nossa fé é um ato de resistência e de presevação da nossa cultura”, concluiu.
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Frei avalia credo popular
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Para os curiosos sobre o sincretismo brasileiro, a editora Nossa Cultura, de São Paulo, acaba de lançar o ‘ Dicionário da Religiosidade Popular’, de Francisco van der Poel. Conhecido como Frei Chico, o teólogo pesquisou durante 40 anos, em Brasil e Portugal, as origens das religiões brasileiras. E reuniu e organizou informações oficiais e populares sobre o modo brasileiro de se relacionar com o divino.
O autor deu ênfase aos cultos populares e entrevistou os protagonistas da cultura brasileira, como o mestre da folia, a rezadeira, o capitão do congado, a mãe de santo, o cordelista, entre outros. Frei Chico fala do encontro entre religião e cultura, das raízes indígenas, a memória da escravidão, o diálogo entre o oficial e o popular, mostrando registros como simpatias para curar, transe, visagens. O dicionário tem 1.150 páginas e custa R$ 290.