Por daniela.lima

Rio - Quando a primeira escola do Grupo Especial entrar na Marquês de Sapucaí, hoje, terá início uma disputa à parte entre dois novos titãs do mundo do samba. De um lado, Rogério Andrade, o contraventor que desde o desfile do ano passado tomou as rédeas da administração na Mocidade Independente de Padre Miguel. Do outro lado, Marcos Vieira de Souza, o Falcon, policial militar que dá as cartas na Portela. O custo de cada um dos desfiles supera os R$ 12 milhões.

Rogério AndradeAndré Mourão / Agência O Dia


Enquanto as duas agremiações despontam com boas chances de dar fim a um longo jejum de títulos, Rogério e Falcon decidem na Sapucaí quem é o mais novo todo-poderoso da grande festa. Nos bastidores, a disputa não declarada tem lances dignos de uma trama de espionagem: sob os carros alegóricos das duas escolas foram instaladas câmeras de vídeo para evitar qualquer sabotagem.

Ambos estão na mesma faixa etária, em torno dos 50 anos. Chegar ao topo da hierarquia dos chefões do samba é uma obsessão especialmente para Rogério Andrade. Foi decidido a assumir o posto mais alto da Sapucaí que ele depôs o presidente anterior, Paulo Vianna, e ocupou publicamente o lugar de homem forte da Mocidade, contrariando a discrição que mantinha até então.

Marcos FalconFernando Souza / Agência O Dia

Restituiu o antigo símbolo da escola, um castor, que agora está espalhado por vários pontos da quadra e do barracão (até no ensaio técnico havia um, desenhado em neon). O objetivo é claro: Rogério quer ter a projeção do tio Castor de Andrade — o bicheiro que colocava políticos e artistas na fila do beija-mão.

Falcon tem objetivo menos ambicioso, mas nunca menos glamouroso. Policial acostumado a tiroteios, desde que chegou à vice-presidência da Portela assumiu a figura de ‘protetor’ das velhas-guardas e das comunidades do samba. Chamou a atenção da mídia e virou o queridinho do poder político, cortejado até pelo prefeito portelense Eduardo Paes. Para personificar a marca, presenteia a todos com souvenir que exibe a estampa de uma Águia, símbolo da escola e da astúcia de quem sabe: o vencedor do desfile sai na frente.

Seguindo o estilo de Castor

A queda de braço entre Rogério Andrade e Falcon teve um capítulo à parte na apresentação dos sambas enredo de 2015, realizada há dois meses na Cidade do Samba. Ali, o patrono Rogério Andrade imaginava tornar a Mocidade o centro das atenções, com a apresentação da rainha de bateria Claudia Leitte. A Portela, no entanto, roubou a cena.

A participação dos componentes das escolas era proibida no evento, mas Falcon liberou a entrada dos portelenses pelo barracão. A Azul e Branco foi a única a ter dezenas de vozes cantando o seu samba. Andrade não gostou da manobra e deixou a festa naquele momento. “Esse cara nunca mais vai brincar comigo”, teria dito, referindo-se a Falcon.

A verdade é que na estratégia para tornar-se a grande personalidade da Sapucaí, o contraventor não considera como adversários antigos bicheiros como Anísio, Capitão Guimarães ou Luizinho Drumond, que acha superados. Já o emergente Falcon acompanha atentamente. Uma vitória da Portela, poderia elevar ao estrelato o policial, de idade muito próxima à dele.

Desde que destituiu Paulo Vianna da presidência da Mocidade, como revelou O DIA, o ousado Andrade imprimiu seu estilo à escola. Despejou dinheiro onde havia salários atrasados, trouxe a peso de ouro o carnavalesco Paulo Barros, tricampeão do Grupo Especial, e a cantora Claudia Leitte. Tudo para ganhar o título que não vem desde 96.

Nos últimos ensaios, o contraventor mostrou desenvoltura. Várias vezes, incentivou o público ao microfone. No desfile de 2014, exibiu-se no Sambódromo, circulando pela concentração e surgindo no camarote. Este ano a expectativa se mantém: desfilará na Sapucaí, como fazia o tio?

Meta é só o primeiro lugar

A figura que o contraventor Rogério Andrade enxerga no retrovisor como ameaça real ao título de Rei do Carnaval tem nome e sobrenome: Marcos Falcon. A história do policial, que há 15 anos tem relação estreita com as pequenas escolas que desfilam na Avenida Intendente Magalhães, levou o bicheiro ao diagnóstico de que é preciso ficar de olhos bem abertos nos passos do PM. Mais ainda quando o agente abriu as portas do poder público (Riotur) para as combalidas agremiações do Grupo de Acesso organizarem um Carnaval mais profissional e, por tabela, ganhou vários simpatizantes.

Falcon nega aos amigos que a ajuda às pequenas escolas tenha conotação política ou que tenha pretensão de rivalizar com o contraventor. Apenas tenta profissionalizar os desfiles e alimentar a tradição do samba. “Meu objetivo é ser campeão com a Portela. E pronto. Nada mais”, dispara o policial, que abriu até as portas da Escola de Madureira para a reunião das 44 escolas da Intendente Magalhães com a Riotur e a Liesga (Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo de Acesso).

Ganhou pontos preciosos com os colegas mais pobres e entrou na lista de advertência do adversário. Não demorou para Rogério Andrade mostrar que estava de olhos abertos. Tão logo terminou o sorteio da ordem dos desfiles do Grupo Especial, o contraventor pediu a intervenção dos articulares na Liesa para fazer uma pequena mudança: queria desfilar na terça-feira — que, pela tradição, costuma trazer a escola campeã. Não conseguiu, e ainda viu o nariz torcido de alguns dos veteranos ‘capi’ da contravenção com a ideia de alterar uma decisão feita em sorteio, o que daria um ar de armação. Tudo o que eles menos querem. O desejo é manter a máxima de “vale o que está escrito”. 

MICROCÂMERAS CONTRA SABOTAGEM

Rumores de ataques fazem agremiações adotarem táticas de contraespionagem

A disputa acirrada das escolas pelos décimos de pontos na Avenida e os rumores sobre sabotagem levaram algumas agremiações a instalar microcâmeras nos carros alegóricos — classificados como as estruturas com maiores riscos de sofrer danos e de reparos nunca fáceis.

A Mocidade Independente de Padre Miguel não revela quantos equipamentos foram instalados, mas a Portela não esconde o jogo: equipou com 19 câmeras sete carros, no tripé e no golfinho. Cada alegoria terá mais de um equipamento, sob o veículo e na cabine de comando.

As máquinas são tratadas como peças de segurança e serão monitoradas em tempo real com a ajuda de um celular, que receberá todas as imagens desde que o veículo deixar o barracão da escola (na Cidade do Samba) até o fim do desfile na Marquês de Sapucaí.

A direção da Portela confirma que recebeu informações sobre a possibilidade de ocorrer uma sabotagem nas alegorias, o que pode atrapalhar a passagem dos carros durante a apresentação da escola e tirar pontos preciosos.

Outra preocupação da Mocidade foi com a escolta dos carros. Contrataram pelo menos 30 segurança a mais para impedir qualquer desavisado de se aproximar das alegorias. Já a Beija-Flor reforçou a vigilância sobre os jurados. Não deseja ver aproximação de “estranhos” nem antes, durante ou depois do espetáculo.

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