Rio - O cerco contra o juiz federal Flávio Roberto de Souza apertou ontem, aumentando a possibilidade de seu afastamento dos processos que envolvem o empresário Eike Batista. O Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pediram que o magistrado deixe de conduzir as ações contra o ex-bilionário.
O imbróglio começou na terça-feira, quando Souza foi visto dirigindo um Porsche Cayenne do empresário que estava em juizo, à espera de ser leiloado. Além disso, o magistrado levou outros dois carros — uma Hilux e um Range Rover — para a garagem de seu prédio, na Barra da Tijuca, assim como um piano de cauda, avaliado em R$ 85 mil. Eike é réu em processos que apuram crimes contra o mercado financeiro. Ele teve vários pertences apreendidos no início do mês, como forma de garantia a credores, caso seja condenado.
Ontem, a corregedoria da Justiça Federal da 2ª Região ordenou que Souza nomeie depositários para guardar os automóveis e outros bens do empresário. O corregedor regional Guilherme Couto de Castro, responsável pela sindicância que averigua o caso, informou que “não há qualquer cabimento em depositar bens no edifício particular do próprio magistrado, fato embaraçoso, apto a gerar confusão e manchar a imagem do Poder Judiciário”.
O desembargador afirmou ainda que o depositário poderá ser uma entidade inidônea ou o próprio Eike, desde que se restrinja o uso dos bens por ele.
Além da sindicância que está em curso, a corregedoria abriu uma segunda investigação para averiguar uma declaração do magistrado. Ao se defender das alegações de que ele estaria usando o carro irregularmente, Souza disse que “é normal” que juízes dirijam carros que estão em juízo.
A Associação dos Magistrados Brasileiros repudiou a declaração e informou, em nota, que “a conduta é vedada a qualquer magistrado e, em hipótese alguma, condiz com a postura usual e ética dos juízes brasileiros.”
Ontem, a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro, anunciou que entraria com uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz. “Estamos pedindo o afastamento do caso e da magistratura. Ele não tem condições de continuar a julgar”, afirmou Felipe Santa Cruz, presidente da OAB no Rio.
O advogado afirmou que não tem conhecimento de que a prática de usar carros apreendidos seja usual entre juizes. “Antigamente, se fazia isso muito, mas na Justiça eu nunca ouvi falar”, afirmou, dizendo que esta atitude prejudica os credores que estão esperando um desfecho dos processos.
Piano também foi levado para prédio
O juiz Flávio Roberto de Souza admitiu ontem que também guardou o piano do empresário em seu edifício. O magistrado disse ao jornal Folha de S. Paulo que o instrumento está na posse de um vizinho “de confiança”. Ao jornal, ele informou ainda que o instrumento está em “ péssimo estado de conservação”.
Na terça-feira, um dos funcionários do prédio informou ao DIA que não havia como o piano caber no elevador do condomínio, reforçando a hipótese da defesa de que o instrumento foi desmontado.
Ontem, a ex-mulher de Eike, Flávia Sampaio, postou uma foto do piano com as hashtags #equipezelosa, #agradecimento e #quantoamor, ironizando a atitude do juiz.
MPF muda de opinião
Ontem, o Ministério Público Federal defendeu o afastamento do juiz Flávio Roberto de Souza nas ações contra Eike. O órgão mudou de opinião diante dos acontecimentos recentes e reformou parecer que havia dado em favor do magistrado. A Procuradoria Regional da República da 2ª Região havia se manifestado favoravelmente ao juiz, em pedido de afastamento feito pela defesa de Eike em dezembro ao Tribunal Regional da 2ª Região.
Advogados de Eike, Sérgio Bermudes e Ary Bergher consideram que o juiz conduz o caso de forma parcial e dá declarações à imprensa insinuando que já tem posição formada sobre a sentença. No domingo, ele disse ao programa Fantástico, da TV Globo, que “a ostentação é totalmente incompatível a quem tem dívidas bilionárias”.
Ontem, o MPF protocolou novo parecer, desta vez contra Souza. A procuradora regional da República Silvana Batini considerou que houve “mudança do quadro”. “As recentes declarações, somadas à postura injustificável de uso do bens acautelados na Justiça, dispensam maiores comentários do MP Federal, pois são indefensáveis e acarretam a inevitável revaloração sobre a condução da ação penal”, afirmou a procuradora.
O TRF-2 deve voltar a analisar o pedido da defesa na semana que vem. Ele começou a ser julgado na semana passada, mas foi interrompido porque um dos desembargadores pediu mais tempo para analisar o caso. Dos três desembargadores que vão votar, dois já se manifestaram em a favor do afastamento.