Por adriano.araujo

Rio - Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Este parece ser o lema do Tribunal de Contas do Estado do Rio. O órgão responsável por fiscalizar e cobrar transparência das contas das prefeituras e órgãos estaduais é o único do Brasil que não divulga os salários, nem a relação de seus funcionários. A atitude exclusiva do Tribunal do Rio vai contra a Lei de Acesso à Informação (LAI) que, desde 2011, criou uma nova mentalidade de transparência na gestão pública do país, e determina que a remuneração dos servidores públicos seja acessível a todo cidadão.

Além dos dados serem omitidos do Portal de Transparência do Tribunal, a Corte negou o pedido do DIA que, por meio da Lei de Acesso, solicitou ao TCE as remunerações de seus servidores. Na resposta, a Ouvidoria do Tribunal considerou que as informações são de caráter sigiloso e, por isso, não seriam divulgadas. Além disso, argumentou que a Lei de Acesso não prevê o acesso a dados pessoais dos funcionários e conselheiros.

A reportagem também tentou a resposta via assessoria de imprensa, mas foi enviada uma tabela de salários, e não a folha de pagamento nominal. Além do “salário inicial” de R$ 30.471, os sete conselheiros, cinco procuradores do Ministério Público e mais 12 procuradores-gerais que atuam no TCE também recebem uma série de benefícios. Um deles é o auxílio-educação de até R$ 2.910 para três filhos de até 24 anos (R$ 970 para cada). O valor é maior do que o recebido pelos juízes do Tribunal de Justiça, R$ 2,860 para até três filhos (R$953 para cada) — benefício conquistado em maio pelo TJ. Só neste ano, o TCE já desembolsou R$ 6,3 milhões para este benefício. Os conselheiros e os procuradores do MP também recebem R$ 4.377 de auxílio moradia todo o mês.

Os funcionários do Tribunal também têm direito a auxílio-saúde de R$ 600, alimentação, R$ 880, e locomoção, de R$ 260. Também são acrescentadas aos salários as chamadas “gratificações”. Por atuar no controle externo, por exemplo, uma das principais funções do TCE, o servidor recebe mais 85% de seu salário e, por “representação de gabinete”, 35%. Por isso, não dá para saber quanto cada funcionário de fato recebe.

FGV: Rio na lanterna da transparência

?Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), no ano passado, concluiu que o Estado do Rio é que menos responde aos pedidos de informação sobre as suas atividades. Ao longo do ano passado, os pesquisadores da fundação fizeram 453 pedidos de informação para os órgãos públicos do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, e Distrito Federal.

Com o pior desempenho entre os pesquisados, dos 65 pedidos de informações, o Estado do Rio só respondeu 25 (38%). Já Minas Gerais teve 74% de retorno dos pedidos, São Paulo alcançou 80% e o DF liderou com 81% dos atendidos.

Para o diretor do Programa de Transparência Pública da FGV, Gregory Michener, o Estado do Rio reluta em ser transparente.

“Eles têm o dever de responder estas perguntas, ainda mais sobre os salários dos funcionários e os seus nomes. A jurisprudência estabelece isso claramente porque os dados são públicos”, afirma o professor. “O TCE está tentando uma manobra ilegal para não atender à Lei de Acesso que está sendo tão importante para o país progredir”, completa Michener.

Segundo Gregory Michener, o Governo do Rio orienta que os pedidos da Lei de Acesso à Informação sejam feitos presencialmente e não pelo site. “Isso é uma ofensa aos cidadãos e afronta à lei federal e está totalmente fora dos padrões internacionais de transparência pública”, analisa o diretor da Fundação Getúlio Vargas.

?‘AFRONTA À LEGISLAÇÃO’

O entendimento do TCE do Rio é diferente do restante dos outros 26 tribunais de contas estaduais do país. Em uma simples pesquisa, é possível achar no site destes órgãos a relação completa de funcionários e suas folhas de pagamento mês a mês.

Apenas Sergipe e Mato Grosso do Sul ainda não têm essas informações disponíveis, mas, ao contrário do Rio, afirmaram que estão em processo de publicá-las. 

O TCE-RJ também difere de outros órgãos do Rio, como o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa (Alerj), que já divulgam em seus sites as folhas de pagamento.

Para o fundador da ONG Contas Abertas, que fiscaliza os gastos públicos, Gil Castello Branco, o Tribunal de Contas do Rio faz uma interpretação errada da lei. “O TCE-RJ está claramente afrontando a legislação e sua postura está em desacordo com o mundo inteiro”, critica Castello Branco. “A folha não é invasão. Deve acontecer como é na iniciativa privada. Um patrão não sabe quanto o funcionário ganha? No caso do servidor, o patrão é o cidadão e ele deve saber como o dinheiro público é gasto”, defende o economista.

O Tribunal tem hoje 1.182 membros efetivos, 229 comissionados e 198 requisitados.

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