Rio - Seria outro auto de resistência entre os muitos já registrados no Morro da Providência, no Centro. Na versão de policiais da UPP local, o adolescente Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, seria um bandido que morreu após trocar tiros com os agentes em um confronto na manhã de segunda-feira. Mas a encenação dos PMs — que colocaram a arma na mão do jovem e fizeram dois disparos — foi flagrada por dois vídeos feitos por moradores.
As imagens enviadas ao WhatsApp do DIA (98762- 8248) indicam que quatro militares acompanharam a farsa, enquanto um quinto agente, vestindo uma camiseta branca e colete à prova de balas, atirou duas vezes com uma pistola, usando a mão do jovem junto à arma para deixar vestígios de pólvora. Antes disso, um militar ainda virou o corpo do rapaz, desfazendo o local do crime, o que não pode ser feito. Eduardo ainda estava vivo e gemia de dor, segundo testemunhas. Sem socorro, morreu no local.
Os cinco policiais foram presos administrativamente por 72 horas pela Corregedoria da PM à tarde. Eles prestaram depoimento à noite na 4ª DP (Central), que iniciou investigações. Dois deles foram autuados em flagrante por fraude processual e levados para a Unidade Prisional da PM, em Benfica. Os outros três serão investigados separadamente em inquérito da Delegacia de Homicídios (DH) e podem responder por homicídio. O delegado Rivaldo Barbosa não descarta que a farsa tenha sido feita para mascarar a execução.
Horas antes de serem presos, porém, os policiais registraram o caso na delegacia como auto de resistência (morte em decorrência de confronto) e apresentaram uma pistola calibre 9 milímetros, munição e radiotransmissor, que alegaram ter encontrado com Eduardo.
Nas gravações, um dos PMs parece pegar uma pistola, atirar para o alto e a entregar ao policial que está de camisa branca. Depois virar o rapaz caído, colocar a arma na mão dele e dar dois tiros. Durante o vídeo, moradores relatam o momento em que o adolescente se move. “O moleque levantou a mão e gritou: ‘Ai, ai, ai, para, para. Estava rendido. Que Deus o tenha, podia ser um filho meu. Essa é a UPP! A UPP fajuta!”, desabafou uma das pessoas que filmaram a morte de Eduardo. “Eu tô tremendo as pernas. Levantei no primeiro tiro e vi o moleque levantar a mão e se render. Deram à queima-roupa. Novinho ele, gente”, contou outra testemunha.
O comandante-geral da PM, coronel Alberto Pinheiro Neto determinou a instauração de um inquérito na corregedoria. Os PMs flagrados poderão ser expulsos ao fim das investigações. “O comando da corporação avalia como gravíssima a atitude dos policiais e não compactua com nenhum tipo de desvio de conduta”, afirmou.
O secretário de Segurança José Mariano Beltrame também repudiou o ato e determinou rigor nas investigações “com punição exemplar dos responsáveis.” A DH fez perícia no local do crime à noite. Eduardo era conhecido como Pintinho e tinha passagens pela polícia por tráfico de drogas, injúria e ameaça. Uma moradora contou que ele estaria com a pistola recolhida. O pai do rapaz contou que o filho era estudante e teria sido confundido.
Protesto pela morte do jovem e comércio fechado
Para o coordenador de Comunicação das UPPs, major Ivan Blaz, o caso põe em questão a credibilidade do processo de pacificação. “As imagens são flagrantes chocantes e que saltam aos olhos. Porém, o vídeo foi entregue ao comandante da UPP Providência, major Roberto Valente, por representantes da associação de moradores da Providência, o que mostra o bom relacionamento entre a unidade e os moradores. No mesmo momento, o comandante tomou as medidas cabíveis, determinando as prisões e encaminhando os acusados para depoimento”, afirmou Blaz.
Antes de a farsa do auto de resistência ser revelada, os PMs da UPP afirmaram terem entrado em confronto com traficantes durante um patrulhamento. Mas a morte de Eduardo e o flagrante dos vídeos circulou pelas redes sociais. Revoltados, moradores protestaram nas ruas de acesso à comunidade. Ônibus foram apedrejados e um homem que estava na confusão teria morrido ao ser atingido por estilhaço.
O comércio ficou fechado em torno da Central do Brasil, onde funciona a Secretaria de Segurança. O Terminal Américo Fontenelle chegou a ser interditado, prejudicando a volta para casa de milhares de trabalhadores. O teleférico da Providência parou de circular. A PM deslocou homens do Batalhão de Choque e do 5º BPM (Praça da Harmonia) para reforçar o patrulhamento na região.
À noite houve outro protesto em frente à 4ª DP, onde os acusados estavam. Uma viatura foi atacada e atearam fogo em barricada na Rua Senador Pompeu.