Rio - O erro fatal de avaliação de um sargento do 41º BPM (Irajá) que tirou as vidas de dois jovens mototaxistas na Pavuna, quinta-feira à tarde, traz de volta a discussão sobre o preparo de policiais militares que atuam nas ruas do Rio. No momento em que a corporação faz uma modificação no curso de formação dos novos profissionais, policiais que estão na ativa há certo tempo ainda cometem erros na avaliação e ação: sem sequer abordar a moto onde estavam Jorge Lucas de Jesus Martins Paes, 17 anos, e Thiago Guimarães Dingo, 24, o PM confundiu o macaco hidráulico que a dupla carregava e matou, com um tiro de fuzil, os dois mototaxistas.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Marcelo Chalréo, o erro mostra o despreparo da polícia. “Parece que no Rio os policiais têm o hábito de confundir apetrechos com armas. Não podemos tratar isso como caso isolado, um incidente porque acontece com frequência. Isso é fruto dessa política insana de combate às drogas que tem levado à mortandade de milhares de pessoas inocentes e policiais também no Brasil todo. É uma epidemia nacional. Até onde isso vai?”, questionou ele.
O advogado criminalista Juarez Rezende avalia que o fato é a consequência da guerra em que o Rio vive. “Temos que ver os dois lados. É o despreparo dos policiais, que vivem num dia a dia de guerra. Numa situação como essa, numa região conflagrada, o fato acaba induzindo o policial ao erro, embora ele seja sargento, o que significa que tem uma certa experiência. Mas não consigo enxergar o dolo (intenção) de matar. Porém, a consequência desse erro foi horrorosa e custou a vida de dois inocentes. É complexo. É a guerra do Rio”, avaliou o especialista do escritório Queiroz e Andrade.
Jorge e Thiago foram baleados na Rua Doutor José Thomas. Eles tinham acabado de consertar uma Kombi, por isso carregavam a ferramenta. A dupla perdeu o controle da moto, que bateu em um muro. Os jovens morreram antes de o socorro chegar. Houve protesto e manifestantes queimaram um ônibus na noite de quinta-feira. A estação do metrô Engenheiro Rubens Paiva ficou fechada.
O PM admitiu o engano em depoimento e entregou sua arma na Delegacia de Homicídios (DH), mas não ficou preso. Afastado do serviço de rua, vai receber acompanhamento psicológico. “Pelo fato ter ocorrido perto de uma comunidade conflagrada, ele fez uma avaliação errada, lamentavelmente. A recomendação da Polícia Militar é não atirar. Precisamos saber se ele cometeu um erro técnico ou se foi emocional”, disse o comandante do 41º BPM, coronel Marcos Netto.
O sargento pediu desculpas às famílias das vítimas. “Não aceito as desculpas. Chamei o PM de assassino e perguntei por que atirou. Ele não respondeu e riu com ar de deboche. Vamos processar o estado. Foi uma covardia”, desabafou Gilberto Dingo, pai de Thiago, que seria avô no mês que vem.
Rivaldo Barbosa, da Delegacia de Homicídios (DH), disse que não pediu a prisão do policial que assassinou os rapazes pelo fato de este ter se apresentado voluntariamente, entregue a arma e confessado o crime, mas avisou que poderá prendê-lo durante as investigações.
“A gente vai fazer a reconstituição e ver as imagens das câmeras para saber se o depoimento do policial é verdadeiro ou não. Para saber se foi um erro ou uma execução”, disse Rivaldo. O delegado confirmou que teriam sido encontrados com as vítimas três trouxinhas de maconha, mas que isso não muda em nada a investigação. “Era só o que faltava (alguém levar um tiro por portar maconha). É um absurdo”, disse Rivaldo.
Protesto no enterro
Para as mais de 200 pessoas que acompanharam nesta sexta-feira o enterro de Jorge Lucas, dificilmente a dramática cena de dor da mãe do rapaz será esquecida. No momento do sepultamento, ela se abaixou e tentou retirar com as próprias mãos a terra jogada sobre a cova do filho: “Tira essa terra do meu filho”, gritava, aos prantos, Rita Luzier de Jesus.
Em meio a aplausos e pedidos de justiça, o jovem foi enterrado no Cemitério de Inhaúma. Motociclistas chegaram ao local buzinando e vestidos com blusas brancas com a foto de Jorge Lucas. Faixas pretas foram estendidas em ato de protesto. PMs que faziam a segurança da região foram hostilizados.
“Quando cheguei no local, um policial disse que eu não podia colocar a mão. Mas toda mãe quer abraçar o filho nesse momento. Eu quero justiça. Quero a cara do policial para todo mundo ver, a família ver. Acredito na punição para quem fez isso”, desabafou Rita. Segundo parentes, Jorge queria ser professor, mas parou de estudar para trabalhar como mototaxista e ajudar a família.
“Estava em casa e escutamos os tiros em seguida”, disse ela. “Pedi para que os policiais parassem de atirar. Eles pediram para eu entrar em casa, alegando já ter um morto. Isso é um absurdo”, afirmou Mônica Matos, tia do rapaz. O corpo de Thiago será enterrado neste sábado, às 10h, no Cemitério de Irajá.
Reportagem de Caio Barbosa, Maria Inez Magalhães e da estagiária Carolina Moura