Eu estava em uma calçada, quando vi, na outra, uma das tantas mulheres que vivem nas ruas se ajoelhar. Era uma oração, talvez. Foi o que pensei. Era um descansar o mundo. Era um desabar na barulhenta cidade.
Fiquei preso àquela imagem. Os cabelos desajeitados embaralhavam, ainda mais, os seus pensamentos. A pele exaurida pelos anos apresentava a idade. Era uma velha mulher. E, de cócoras, com as pernas se abrindo para abaixar mais, ela levou as mãos a uma água suja que ficava na rua rente à calçada. E, fazendo concha, bebeu com fervor a ausência de humanidade para com ela.
O movimento das mãos foi me silenciando, me emudecendo. Os meus pensamentos que, um pouco antes, viam a lua que se adiantava, naquele dia, já não resistiam a nenhum outro pensar. Quem era aquela mulher? Como ela chegou até ali? O seu vestido branco sujo de abandono, os seus pés descalços de qualquer cuidado, seu sorriso sem significado. Era o que eu via. Ela tinha a idade da dor. E eu a idade da omissão.
A demora da minha decisão fez com que ela caminhasse na solidão da rua e se perdesse no mundo grande onde ninguém vê ninguém. Fiquei imaginando o seu nome, a sua dor, o seu destino. Dormi com ela, naquele dia, e acordei em desalinho com os meus afazeres.
Ela é uma e eu sou tantos. Ela é muitas e eu sou apenas um. Tenho voz e não digo, tenho braços e não abraço, tenho coração e amo pouco.
Lembrei de uma poema de Mário Quintana que escolhia as palavras para escolher a vida, a vida simples, a vida pura como a água bebida na concha das mãos. A água de Quintana é água cristalina. A água da mulher que me acompanha é água dos restos de um dia sujo, dos cantos das ausências, de uma mente sem condições de compreender.
Perto dali, havia uma torneira. A torneira do mundo estava seca para ela. Sua cabeça, tão sem cuidados, já não conseguia perceber. Foi o que vi. Foi o que senti. Se a ela pudesse dar um nome, chamaria de Maria. Não sei por quê.
Ou, talvez, saiba. Talvez queira que o sagrado a proteja de nós, que pouco fazemos, por medo ou por acomodação.
Bebi em fontes límpidas na minha vida, mergulhei em cachoeiras abundantes, nadei em águas reconfortantes. E Maria? Como foi o seu ontem? Como serão os dias que virão?
Na canção de Vinicius e de Tom Jobim, a Garota de Ipanema, quando passa, faz com que o mundo inteirinho se encha de graça por causa do amor. Decidi acordar o dia e ir à mesma rua procurar Maria.
De cócoras, pariu o abandono. Onde mora Maria? Onde mora o amor.
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