Marcus Vinicius de Azevedo Braga O Dia Opinião
Marcus Vinicius de Azevedo Braga O Dia OpiniãoDivulgação
Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga*
A gestão de riscos é uma área de conhecimento que entra só recentemente na agenda da gestão pública, e ainda tem um longo caminho até a sua total inserção na lógica das políticas e a sua implementação. A crise do coronavírus se apresenta como janela de oportunidade, e desafio, na aplicação e amadurecimento desses conceitos, apesar de atavismos culturais que podem emergir como entraves a adoção desse paradigma.
Lidar com a incerteza de forma racional é a ideia mestre da gestão de riscos, e isso se faz por meio de identificação de eventos que podem afetar os objetivos, que submetidos à avaliação de sua probabilidade e magnitude, são objeto de processo de construção de respostas a esses riscos, na busca de trazê-los a níveis aceitáveis. Essa lógica permeia tudo o que se vê na imprensa em relação as medidas adotadas pelos governos na busca de conter a crise sanitária enfrentada pelo país.
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Apenas para exemplificar essa visão, se a contaminação se dá pela interação de pessoas a determinada distância, pelo toque em objetos com as mãos contaminadas, para se reduzir a probabilidade desse contágio ou mitigar seus efeitos, utilizam-se máscaras específicas, limita-se o contato físico e se utiliza o álcool em gel para desinfetar a mão que toca os objetos. Tudo nessas estratégias desenvolvidas no mundo segue essa lógica de um risco que, em sendo identificado e mensurado, se propõe uma salvaguarda.
Salvaguarda adequada é aquela que é efetiva, imputando o menor ônus possível. Uma equação que a gestão de riscos sabe trabalhar bem. Mas, esse tem sido um dos pontos que inspira reflexões, pelas falas do senso comum observadas, face a influências que permeiam o processo de gestão de riscos no Brasil, desde o pensamento mágico que atribui a um poder transcendente o destino de todos, até uma visão de imolação, no adágio popular, do famoso: “O que arde, cura”.
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Exatamente esse espírito de imolação, de que a salvaguarda será boa na medida em que causa visível sofrimento, presente mais na fala leiga do que nas ações sanitaristas, é que tem o potencial de distorcer a racionalidade no combate ao vírus. O cidadão, nessa linha, pensa que porque já fez um sacrifício grandioso na sua visão, que ficou muito em casa, não foi a praia ou a festa, já fez o suficiente e merece não ser contaminado. Adota-se a ideia de ser uma questão de mérito ou de recompensa, e não de efetividade dos mecanismos adotados dentro de uma estratégia maior.

Por trás dessa postura está um pensamento mágico, de que a boa medida preventiva em relação a covid-19 é a que traz maior dor, como uma penitência a qual o indivíduo se submete para expurgar seus delitos, e não uma medida pragmática que compõe uma estratégia de redução de um processo de contaminação, que necessita, inclusive, para o aprimoramento das salvaguardas adotadas, de estudos qualitativos e quantitativos com contaminados e seus familiares para entender, dentro do contexto do Brasil, que hábitos e costumes estão conduzindo ao aumento da contaminação na prática.
Gestão de riscos é a sistematização do enfrentamento da incerteza. E o que não falta na crise do coronavírus é incerteza, e a força das medidas adotadas vem da sua racionalidade na mitigação desses riscos. Dialogar com a visão da gestão de riscos é saber que não é o sacrifício, necessariamente, que derrota o vírus, e sim a resposta adotada, que pela natureza da pandemia, apresenta consequências bem limitadoras. O que se quer ao fim é que o cidadão adote restrições que se relacionem aos riscos, para que não se sofra mais sem necessidade, ou ainda, que esse mesmo cidadão tenha a falsa sensação de segurança, por buscar um sofrer sem vínculos com a redução da contaminação.
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*É auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) e doutor em políticas públicas pela UFRJ