Paulo Ramos
Paulo Ramos Divulgação
Por Paulo Ramos*
O isolamento social a que aderi, permanecendo em casa o mais possível, como forma de contribuir para evitar a disseminação do coronavírus, obediente que sou às orientações dos infectologistas, me fez lembrar de um episódio do qual participei, em 1979, no Parque Rubens Vaz, uma das comunidades do Complexo da Maré. Acompanhando o seu Manoel Januário, que liderava um movimento destinado a eleger uma nova direção para a associação de moradores, visitei a casa (barraco) de uma mulher grávida, que se chamava Joana.
Logo que entramos, ante uma habitação extremamente pobre e rigorosamente limpa, Manoel Januário, depois das apresentações de praxe, teceu todos os elogios à Joana, em face do zelo, da dedicação e esforço daquela quase mãe para manter o seu barraco naquelas condições. Quanto mais elogiada, mais Joana chorava.
Publicidade
Dias depois, quando a reencontrei, indaguei as razões de tantas lágrimas como reação aos elogios que recebia. Joana disse que tinha nojo de morar naquele barraco, uma palafita precária, cravada na água suja, e que Manoel Januário estava lembrando que era ali que ela ia criar o seu filho, prestes a nascer. A resposta passou a caminhar comigo ao longo da vida. A Constituição cidadã de 1988 diz que a casa é o asilo inviolável, elevando a moradia ao mais alto grau de proteção.
Para a mulher, a moradia digna é motivo de orgulho e alegria, é um sentimento permanente, enraizado e incorporado. Para as mães, a casa é também o centro do universo, é o reduto dos sonhos, dos projetos, da idealização do futuro para os filhos. Mas de qual casa, então, e de qual inviolabilidade fala a Constituição?
Não pode ser a casa miserável onde tantas mães no nosso país criam seus filhos. Mães que enfrentam o horror habitacional, a tortura continuada, a humilhação permanente, o sofrimento mais profundo, a dor e a amargura, mas não a impotência.
Publicidade
Mesmo violadas de todas as formas, imagináveis e inimagináveis, as mães resistem, persistem e lutam para dar algo a mais aos seus filhos além do amor, algo de que somente elas são capazes, pois para as mães, pelo menos os sonhos, são invioláveis.
Embora, a infância seja a fase das brincadeiras e da alegria, os filhos percebem o sofrimento das mães. Não por acaso, quando os filhos da pobreza conseguem emergir e alcançar sucesso, o exemplo que dou é o futebol (há outros), no primeiro contrato que resulta em expressivo resultado financeiro, na primeira entrevista, ao serem indagados sobre o que farão, a resposta é imediata: vou dar uma casa para minha mãe.
Publicidade
Como o Brasil é uma das maiores economias do mundo, deveríamos inscrever na Constituição o seguinte Artigo: Toda mãe tem direito a uma casa com padrões de conforto e higiene compatíveis com a dignidade que há de ser conferida à maternidade. Cumprida à Constituição, diremos: Casa da mãe Joana, nunca mais!
*É deputado federal – PDT/RJ