Juliana Brizola é deputada (Líder da bancada do PDT na Assembleia Legislativa do RS)Divulgação

O desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios chocou por ser um gesto de intimidação incompatível com a democracia. Me fez lembrar da “Campanha da Legalidade” – movimento ocorrido em 1961 no Rio Grande do Sul, liderado por Leonel Brizola, então governador do estado, contra os militares que tentavam impedir a posse do vice-presidente João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.
Brizola, de acordo com a Constituição, mobilizou, a população e a Brigada Militar do RS. Esse movimento pela legalidade, que faz parte da História política do Brasil – e também da minha história familiar - completará 60 anos no próximo dia 27 de agosto.

Esse era um assunto nunca mencionado em casa, uma espécie de tabu, porque meus familiares, viveram momentos tensos. A primeira vez que ouvi falar sobre esse assunto eu tinha 11 anos. Morava no Rio de Janeiro e fui passar férias em Porto Alegre levando um dever escolar: escrever sobre uma passagem da História do Brasil. Lá, consultei a minha avó materna, Dóris Daudt, e ela após fazer uma pequena pesquisa, sugeriu: “a Campanha da Legalidade, o movimento que teu avô Brizola liderou”.

A Legalidade chegou à minha família também pelo meu avô, materno, o militar Alfredo Daudt,(1922/2007), capitão da Aeronáutica. Ele liderou os sargentos que esvaziaram os pneus dos aviões que iriam bombardear o Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, onde meu avô Leonel Brizola resistia para fazer valer a posse de Goulart, que se encontrava em viagem oficial à China. Minhas famílias paterna e materna ainda não se conheciam.

Outra parente presente nesse momento histórico foi minha avó Neusa Goulart Brizola (1922-2004), que resistiu mesmo estando acuada na ala residencial do Palácio, cercada por soldados e barricadas, sob a ameaça de bombardeio, rezando pela vida do marido e do irmão Jango. Ela deixou os três filhos de 8,6 e 4 anos, aos cuidados de uma amiga, preferindo correr todos os riscos ao lado de Brizola.

A arma de Brizola estava no porão do Piratini, onde improvisou um estúdio e colocou a Rádio Guaíba sob seu controle. Ali, ele montou uma estação com a qual comandou 104 emissoras, que foram entrando na “Cadeia da Legalidade”, formando uma poderosa rede de comunicação radiofônica, que reverberava seus discursos, conclamando os brasileiros, a reagirem. Ele conseguiu a adesão do comandante do III Exército, general Machado Lopes, que passou para o lado legalista.
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O governador e o general surgiram como personagens emblemáticos nessa crise político-militar. O conflito foi contornado com a adoção do parlamentarismo, e após 13 dias de impasse, Goulart foi empossado. O golpe acabou por ser consumado em 1964 e a ditadura e o exílio deixaram feridas que nunca cicatrizadas.

Hoje, quando movimentações militares ameaçam a democracia, essa campanha realizada há 60 anos, parece atual. Quem diria que ainda precisaríamos falar sobre legalidade e respeito à Constituição Federal?
Juliana Brizola é deputada estadual (PDT/RS)