OPINA24AGOARTE KIKO

Uma frequente confusão tem ocorrido nas discussões sobre a forma como a Constituição Federal trata a liberdade do exercício da fé em prédios do poder público. Para desfazê-la precisamos observar, no texto constitucional, as menções à liberdade religiosa e a seus limites. 
Um item fundamental é o Artigo 19, que impede o Estado de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

Tal artigo é dos muitos de inspiração liberal em nossa Constituição. Ele impede o Estado de interferir na vida do cidadão por meio da imposição de uma crença ou um ateísmo oficial. E é justamente nesse aspecto que paira a confusão, muitas vezes alimentada pelo preconceito de alguns setores contra determinadas religiões. Mais recentemente, esse processo tem avançado ora contra prédios e imagens católicas, ora contra evangélicos, mas afeta igualmente a fé espírita, judaica, muçulmana e de umbandistas e candomblecistas, os quais têm tido seus terreiros atacados.

O texto constitucional, em nenhum momento, proíbe os cidadãos de exercerem sua fé em espaços públicos ou em prédios de órgãos públicos. O que a Constituição faz é proibir o Estado de estabelecer que os cidadãos devem seguir uma ou outra religião, justamente para que eles possam professar a fé ou aderir às filosofias que entenderem mais adequadas. Deste modo, portanto, o Estado deixa de “embaraçar” o funcionamento dos credos e de “manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.

Tanto o setor público quanto a iniciativa privada nos dão exemplos positivos de como a lei pode ser cumprida, de modo correto, sem prejudicar a liberdade religiosa de ninguém. Uma experiência fantástica, no Rio de Janeiro, tem sido protagonizada pelo Tribunal de Justiça, que destina uma de suas salas para que seus servidores públicos e frequentadores (como advogados e membros do Ministério Público) possam compartilhar momentos de exercício da fé. A cada dia, o espaço é reservado a uma religião, de forma alternada. Um exemplo de convivência harmônica a ser seguido por outros órgãos da administração pública.

No setor privado, temos observado alguns shoppings do Rio de Janeiro destinarem uma área para que funcionários, lojistas e clientes possam ter um momento de paz. São espaços ecumênicos, construídos de modo a propiciar momentos de paz e espiritualidade e de incentivar que as pessoas possam criar esse hábito.

Numa sociedade cada vez mais marcada pelo estresse do dia a dia, abreviação dos prazos e celeridade dos processos, apresenta-se como uma iniciativa oportuna a destinação de um espaço para que trabalhadores possam ter seu momento de oração, meditação ou simples reflexão, compartilhando essa paz com colegas que, eventualmente, podem se tornar amigos e parceiros de trabalho.

Ter um espaço destinado ao culto em um prédio ou espaço público, longe de significar a imposição de uma crença, representa a efetivação do direito assegurado pela Constituição à liberdade religiosa. Essa é, afinal, a intenção da Constituição. Um dos principais dizeres do famoso Artigo 5º, dedicado aos direitos e deveres do cidadão, estabelece, justamente, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”.

A liberdade religiosa e o respeito ao sagrado alheio são direitos e também deveres que contribuem para um
país melhor.
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Vitor Marcelo Rodrigues é professor universitário e desembargador eleitoral (TRE/RJ) para o período de 2020 a 2022 pela classe dos advogados e professor universitário