Wagner Cinelli de Paula Freitasdivulgação
A mulher, na sociedade patriarcal e machista, está em desvantagem. Seu assassinato por um homem que, ao seu inverso, está em vantagem na estrutura social, evidencia o ápice de uma assimetria.
O injusto fardo sobre os negros tem raízes históricas. Afinal, a escravidão grassou nas Américas e o Brasil foi o último país a dela se despedir, sendo necessárias muitas gerações para correção das desigualdades decorrentes desse sistema baseado na violência e na coisificação das pessoas. Porém, esse fardo é ainda mais pesado para a mulher negra, que enfrenta uma dupla barreira social.
A filósofa Sueli Carneiro, em depoimento para o Portal Geledés, destaca exatamente esse ponto, que são as duas opressões que a mulher negra sofre, a de gênero e a de raça, a resultar em um confinamento perverso.
Navegar nesse ambiente de estrangulação social é um desafio para a mulher negra, que ainda encontra reflexo de sua condição desfavorecida na estatística criminal, a indicar seu maior risco de ter a vida ceifada.
As mulheres negras não são uma maioria na população geral feminina, mas estão super-representadas na estatística de feminicídio, como confirmam números do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Em 2020, foram registrados 1.350 feminicídios, sendo que 61,8% das vítimas eram negras, a chancelar o determinismo fatal a rondá-las.
De fato, apresenta-se apropriada a palavra femirracídio para exprimir essa dura realidade que ataca seletivamente a mulher negra. Compreendido o conceito, impõe-se que a mulher negra ocupe, como de direito, o centro do debate e de ações protetivas em seu favor, de forma a se combater essa iniquidade social.
Ao receber a merecida e atrasada atenção, daremos um passo para nos tornarmos uma sociedade mais civilizada e justa, afastando-nos da vergonha histórica que foi a escravidão, mas sem negá-la. Assim, poderá chegar o dia em que o conceito expresso em femirracídio não fará mais sentido. Oxalá!
Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do TJRJ e autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”
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