Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Divulgação

Pancada de amor não dói, diz o ditado popular. Mas, será? Será que socos e tapas entre namorados ou companheiros não doem? Talvez a tal pancada de amor não se preste a exprimir exatamente ausência de dor, mas uma ideia de que agressões físicas ocorridas em um relacionamento seriam anestesiadas pelo afeto existente entre os envolvidos.

Sigamos e vejamos como a “pancada de amor” se encaixa em uma relação entre homem e mulher, sendo ele o agressor e ela a agredida, seleção de gênero que se justifica porque, na estrutura social, ele está em vantagem e ela em desvantagem. Além disso, ele costuma ter a preponderância física e também ser o provedor, a colocá-la em situação de desigualdade e de dependência financeira.

A situação da mulher fica ainda mais prejudicada pelo fato de que os desentendimentos de um casal ainda são vistos como uma questão privada, livre de interferências. Uma espécie de MMA com lutadores desiguais, sem regras nem árbitro. Como em briga de marido e mulher não se mete a colher, sofre a mulher, pois geralmente é a vítima, enquanto ele costuma ser o autor, como confirmam as estatísticas criminais.

Fato é que pancada causa lesões corporais e isso é crime. Essas lesões podem ser de diversas naturezas, classificadas em leves, graves e gravíssimas. Observemos um caso de cada, todos com decreto condenatório e, de acordo com a gravidade, maior a penalidade.

Ricardo de Souza Ribeiro, em Santo Antônio de Pádua (RJ) foi réu em ação penal por ter dado um soco no rosto da ex-companheira, causando-lhe edema (lesão corporal leve). A condenação foi de quatro meses e 20 dias de prisão.

Manoel de Sousa foi julgado na Comarca de Pombal (PB) por ter agredido a companheira e exposto sua vida a perigo (lesão corporal grave). O agressor, que deixou a vítima com um braço quebrado, foi condenado a dois anos e dois meses de reclusão.

João Batista Ramos Pereira, em Guaraí (TO) foi condenado porque agrediu a ex-mulher, arrancando-lhe as duas orelhas a dentadas, causando-lhe deformidade permanente (lesão corporal gravíssima). A sanção foi de quatro anos de reclusão.

Pesquisas revelam que uma característica recorrente nessas infrações penais é a sua repetição. “Até que a morte nos separe”, realizado pelo Tribunal de Justiça de Roraima, é um desses estudos e seu objeto foi o feminicídio, considerando crimes ocorridos nos últimos cinco anos naquele estado. Revelou que o histórico de violências anteriores é um dos fatores de risco comum à maioria desses delitos. Pode-se assim concluir que uma pancada leva a outra e, um dia, pode ocorrer a pancada fatal.

Que não se olvide: de amor, existe beijo; pancada, nunca. Se seu namorado ou companheiro é agressivo, não se iluda, ele não gosta de você. E quem agride uma vez, agride outras. E é de pancada em pancada que muitas mulheres têm a vida ceifada. Afinal, pancada dói e também pode matar.
Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do TJRJ e autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”