opina7dezARTE O DIA

Existe um tema quase proibido em se fazer a pergunta: por que uma merendeira de escola municipal ou um pequeno servidor dos municípios não podem constituir uma MEI? Explico, porque são proibidos por lei de administrar uma pessoa jurídica. Um servidor de melhor remuneração pode ser cotista ou acionista de uma grande sociedade anônima, mas, do mesmo modo, não pode ser administrador de um CNPJ.
A proibição é antiga e parte da presunção de que o servidor agirá de má fé caso venha a administrar seu negócio, faltando ao trabalho, usando a pessoa jurídica para receber propina ou contratando com a administração usando de sua influência no serviço.
É verdade que tudo isso pode acontecer, como pode acontecer muito pior se não tiver um pingo de ética na condução de sua vida particular e não for cotista, acionista ou administrador de uma pessoa jurídica. Funcionalismo não é sinônimo de banditismo.
Voltando ao exemplo da merendeira. Para ser aprovada no concurso para o cargo de merendeira, a pessoa tem que fazer prova de Matemática, Português e uma prova prática de cozinha, acondicionamento e técnicas para lidar com alimentos. De regra a inscrição não é gratuita e só pode ser feita pela internet.
Em geral o salário fica em torno de R$ 1.250, um pouco acima do salário mínimo, o que permite ao prefeito não aumentar o salário conforme a inflação (e tome inflação em cima), ou fazer apenas quando lhe convier. Ele apenas precisa dar uma desculpa convincente. Essa merendeira, que trabalha para um pequeno município de um pequeno estado da federação, volta para casa no final da jornada de trabalho e lava, passa, faz comida, cuida dos filhos, do parceiro ou parceira, eventualmente de pais idosos e não pode ser MEI fazendo doces, salgados e bolos para melhorar a renda familiar.
Se a merendeira pudesse abrir uma MEI, além de poder melhorar sua renda e o padrão de vida de sua família, aumentaria a arrecadação de tributos da União, do estado e até do município seu empregador mas, não, ela é presumidamente desonesta, vai fazer alguma besteira com esse CNPJ.
Essa situação certamente se repete nos 5.570 Municípios brasileiros onde merendeiras e outros cargos de empregados públicos de menor complexidade com remuneração pouco maior do que um salário mínimo são jogados na informalidade em razão dessa proibição, que, diga-se de passagem, não existe na Constituição Federal. Esta, porém é uma dificuldade que, felizmente, a Lei do Microempreendedor Individual não coloca, a lei do MEI não proíbe, mas esbarra na maioria das leis que regem o Estatuto dos Servidores (a lei que regula o funcionalismo).
Essa proibição pode fazer sentido para os cargos de melhor remuneração, mas não faz quase nenhum sentido para os servidores/empregados de pequenos municípios para cargos de menor remuneração e complexidade. Quero repetir aqui que a Constituição Federal não proíbe expressamente que um pequeno servidor tenha uma MEI para melhorar o padrão de vida de sua família. A proibição é, porém, expressa na maioria das leis que regem a vida do servidor publico.
Não há dúvida de que essa proibição estimula o mercado informal nos 5.570 municípios brasileiros, deixando de haver arrecadação de tributos e aniquilando o ambiente do pequeno negócio e a criatividade do empreendedor. Somos mais de 200 milhões de habitantes, somos milhares de municípios, somos milhares de pequenos servidores que estão passando necessidade que querem trabalhar honestamente e fazer parte deste contingente de empreendedores que carrega nosso Brasil nas costas.
Fica uma reflexão: quase sempre, quando estamos debaixo da árvore, não enxergamos a floresta.

Eugênio Rosa de Araujo é juiz federal e mestre em Direito Constitucional Econômico