Eugênio Rosa de Araujo, Juiz federal e mestre em Direito Constitucional EconômicoDivulgação

Recentemente, afirmamos neste espaço que a inflação acumulada desde 2016, data da criação do atual regime do MEI, impediu que muitos microempreendedores individuais se mantivessem no regime facilitado, uma vez que sua receita bruta/faturamento iria aumentando com o tempo e exigindo o reenquadramento do MEI como microempresa.
Tramita no Senado o Projeto de Lei Complementar 108/2021 que corrige, em parte, o problema da inflação de custos do qual sofrem os microempreendedores individuais. É que o projeto atualiza o valor da receita bruta/faturamento do empreendimento para R$ 130 mil como limite anual e R$ 10.833,35 para o limite mensal, facilitando a manutenção do empreendedor no MEI, sem que ele precise se reenquadrar.
Mas faltou ao legislador a sensibilidade de criar um mecanismo de atualização monetária mais rápido. A referida atualização vem com muito atraso - de pelo menos cinco anos - e já encontrará muitos empreendedores jogados na inadimplência tributária, com todas as suas consequências ruins.
Na ocasião, aqui sugerimos que o Congresso deixasse para o Poder Executivo uma autorização para, mediante decreto, corrigir o valor da receita bruta/faturamento para o MEI, impedindo que o efeito perverso da inflação, - que corrói do poder aquisitivo da moeda-, ainda gerasse a necessidade de reenquadramento com o aumento de mais tributos.
O problema da atualização monetária será solucionado temporariamente, vez que a inflação já ultrapassa os dois dígitos e, em época de campanha eleitoral e a grave crise da covid, não é provável que vá diminuir no curto prazo, gerando um novo ciclo de reenquadramentos e endividamento dos microempreendedores.
Mas ao que parece, o Senado, com o projeto de Lei 46/2021, tenta evitar a falência dos microempreendedores que sofreram com a inflação e, por isso, foram reenquadrados e passaram a dever tributos atrasados, criando um programa de recuperação fiscal com o nome curioso de RELP, que lembra a palavra inglesa HELP (socorro) e que oferece um parcelamento em 480 meses, ou seja, 40 anos, só abrangendo o ICMS estadual e o ISS municipal. Ficaram de fora as contribuições para o INSS, o FGTS e o Imposto de renda.
Dizer simplesmente que o modelo é ruim é entrar para o grupo de pessoas que, não fazendo parte nem do Congresso, nem do Poder Executivo, atiram pedra na vidraça sem dar, ao menos, uma solução para futura reflexão.
Bom, no caso da correção da receita bruta/faturamento para enquadramento como MEI, nos parece possível que a Lei Complementar entregue ao presidente a possibilidade de aumentar o valor desse elemento, evitando a fuga do regime e o endividamento tributário e as dificuldades que a dívida tributária causa em toda atividade empresarial.
Sem essa válvula de escape, em cinco anos teremos nova necessidade de lei complementar corrigindo a base da receita bruta/faturamento, já tendo ocorrido nova fuga de empreendedores individuais por causa da inflação, gerando um círculo vicioso infinito.
No que trata do parcelamento de 40 anos, este não alcança as contribuições do INSS, Imposto de Renda e FGTS e, como haverá novo inadimplemento em razão do aumento da inflação, em pelo menos cinco anos teremos, além da necessidade de nova lei complementar, a demanda um novo parcelamento para repactuar o primeiro parcelamento que foi incapaz de manter o microempreendedor individual sem dívida fiscal futura.
Em geral, o final do ano é época de esperanças mas, no caso, embora no curto prazo as notícias sejam boas, no longo prazo a tendência é o endividamento do microempreendedor individual e a piora do ambiente do micronegócio no Brasil, com o consequente aumento da informalidade.
Eugênio Rosa de Araujo é juiz federal e mestre em Direito Constitucional Econômico