Gabriel Chalita, colunista do DIADivulgação

O dia acordou com um acizentado quente. O sol cumpriu o seu feito sem se apresentar. Havia calor, mas não claridade.
Eu respirava o trabalho prazeroso de escrever ideias, quando recebi a notícia da morte da poeta Neide Archanjo. Silenciei o presente e encontrei Neide em uma Fazenda, em Roseira Velha, dizendo com a voz rouca trechos de seus oníricos legados à humanidade. "E estando, me faltas" foi uma das frases. Eu era escritor dos inícios. A frase desenterrou, de mim, desejos profundos de dizer. Como pode uma frase dizer tanto?
Vivi amores doídos em minha vida. Presenças que representavam ausências. E Neide poetizava, em mim, sua sabedoria. "E, estando, me faltas". E, então, a coragem de me levantar e abrir a porta e expandir o território dos afetos. Não. Não era permitido esvaziar a vida com alguma vida sem vida ao lado. Porque vida há, em todos os lados. É preciso, apenas, sair. Será isso mesmo? Sair de onde? Para onde? Alma de poeta tão inquieta e tão buscadora de amanheceres.
E,então, na mesma sexta, dia 14, outra notícia, a morte do poeta Thiago de Mello, o homem que, em "Os estatutos do homem", declarou: "Só uma coisa fica proibida: amar sem amor".
Outra viagem, em mim, desta vez até Manaus. Era um encontro de professores e eu fui falar sobre a "Pedagogia do Amor" e, então, conheci o poeta. Na quentura do tempo e dos afetos dos professadores de fé, beijei a sua mão e disse um dos seus versos: "Sei que sou pouco e que sei pouco. Mas dentro do pouco que sei e que sou me dou por inteiro". Thiago abriu páginas de suas vivências e me explicou o que significa "me dou por inteiro". Nos encontramos outras vezes e nos alimentamos de esperança.
Com Neide, também. Um dia, quando cuidava eu da educação de São Paulo, sentado em uma sala na Praça da República, ela falou do tempo de sua "Poesia na Praça", em que ela, jovem menina, amante das palavras, estendia varais de poesia para enfeitar os passantes da vida. É o que nos cabe, reverenciar as palavras e, por elas, os sentimentos que unem as pessoas.
Neide Archanjo amou sem economias e amou ciente dos desassossegos do amor. Sofreu os sofrimentos dos adeuses. Chorou a vida nas vidas que iam e sorriu a vida nas vidas que inesperadamente surgiam.
Thiago de Mello sofreu, também, os sofrimentos. Os mesmos e outros. Tempos duros são os tempos em que a liberdade precisa ser explicada, em que há mortes rondando vidas que desabrocham, diferente do que decidem os que mandam. Sua voz não se calou: "Faz escuro mas eu canto, porque a manhã vai chegar".
Onde estão eles agora, que já não estão? Onde vivem os poetas?Neide assim descreveu seu ofício: "Esculpo a página a lápis e um cheiro de bosque então me aparece. Que a poesia é feita de romãs daquilo que é eterno e de tudo que apodrece". O corpo apodrece. A morte leva o que quer. Mas e o eterno? A eternidade do que amamos não se dissipa nem com a morte. É memória e é fé.
Eu sou dos que contemplam o belo que há na Floresta de Thiago ou na Selva de Pedras de Neide e acreditam que há algo mais. A poesia é uma das expressões de Deus para nos embelezar a vida. A outra é o respirar de toda a gente. A outra é a liberdade de amar. A outra é a invenção da palavra saudade.
Tenho saudade dos poetas que escreveram vida na minha alma e que me despertaram para escrever vida nas almas dos que encontro nos caminhos. Tenho saudade de tempos que se foram e que ainda vivem em mim. E que não me faltam. Não. Nada falta para quem tem olhos de ver o que vai além do que se vê.
Vejo vocês, Neide e Thiago, rindo dos que não acreditam no céu dos poetas!