opina28janARTE KIKO

O novo ano que acaba de começar já dá os primeiros passos sob uma crescente tensão eleitoral. Um Brasil polarizado, com nervos à flor da pele e num embate nada cordial entre forças políticas. Esperança e fé, assim como são desejos de ano novo, sempre foram premissas e dogmas religiosos. Em ano eleitoral, religião e política inevitavelmente se encontram. Ainda mais num cenário tão inflamado quanto o que vivemos. A evocação da fé, de Deus, de crenças e até exaltação de ministros terrivelmente evangélicos acirram emoções e deixam a caminhada eleitoral intrinsecamente ligada à religião.

Embora a doutrina política e legal estabeleça uma separação entre Igreja e Estado, uma linha imaginária que mantém afastados o poder e a mão forte do governo da liberdade e da fé religiosas, ao longo da história, líderes de várias religiões conquistaram destaque social e poder político ao redor do planeta. Nesse contexto, Moisés foi um dos primeiros líderes religiosos e políticos.
Ele negociava com o faraó a saída de seu povo judeu, oprimido no Egito tão impiedosamente quanto no Nazismo, e dizia a seus seguidores o que fazer e o que não fazer, norteado pelos princípios de Deus. Nesse aspecto, acreditamos que um líder político verdadeiro e autêntico não deve se deixar desvirtuar de seus princípios, seja judeu ou cristão. Sempre alerta para que a mistura não provoque confusão e dissonância entre o saudável e o não saudável.

Num país sufocado por discursos políticos quase em forma de ódio, a exaltação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) como terrivelmente evangélico soa dissonante do bom senso. O ministro deve ser admirado pelo conjunto de seu trabalho ao longo da carreira. Ele é um representante da Justiça e, como tal, deve ser imparcial. Religião, Justiça e política não devem se sobrepor uma à outra.

Como rabino e professor de judaísmo, acredito que, quando se renuncia a princípios religiosos em nome da política, surge um conflito inevitável. Não há problema algum em um líder religioso ir à Câmara dos Deputados, por exemplo, representar sua comunidade, sua fé, seus preceitos. Entretanto, como religioso, não se deve entortar seus princípios em nome do politicamente correto ou de uma bandeira política.
Os livros sagrados condenam o desrespeito, a discriminação e a violência contra qualquer pessoa. Ou seja, o fato de a religião não apoiar uma causa específica, como eutanásia e homossexualidade, por exemplo, não significa pregar a violência e a intolerância. Tudo deve se pautar no bom senso, pois polêmicas sempre surgirão ao misturar religião e política. Isso vale para mim, para o meu judaísmo, e para todas as crenças.

A política e a Constituição mudam ao longo dos anos, mas a religião, não. Nunca devemos esquecer que uma religião pautada em seus valores eternos e divinos é a que faz uso do bom senso. Desta maneira, um líder deve ser pautado pelo bom senso. Aquele que faz uma leitura extremista não serve nem como líder religioso nem como líder político.
Micha Gamerman é rabino e professor