Diana Vasconcellosdivulgação

O clima de submissão popular no Líbano, agravado pelo sistema político sectário, não deve mudar no futuro próximo. A corrupção e a crença na impunidade continuam presentes no país mediterrâneo. Os partidos políticos usam o aparato estatal como um tipo banco pessoal enquanto seus integrantes blindam o sistema que os alimentam. A impressão geral é que o primeiro-ministro Najib Mikati, o homem mais rico do Líbano, segundo a Forbes, foi nomeado pelo Parlamento para preservar – em vez de mudar - o colapso em que o Líbano mergulha em câmera lenta.
Também não há sinais de que o Hezbollah, que age tanto como um partido político xiita quanto como um grupo militar, vá mudar o cenário nos próximos meses. As perspectivas de longo prazo de estabilidade política são fracas enquanto eles mantém o poder por três razões principais.

Primeiro, a intervenção estrangeira é um passo necessário para impulsionar a economia do Líbano, mas os laços do Hezbollah com o Irã e a ideologia do grupo estão impedindo a ajuda financeira e humanitária do Ocidente e dos estados ricos do Conselho de Cooperação do Golfo.
Em segundo lugar, o Hezbollah agora tem mais poder político do que nunca, dando a palavra final na disputa entre facções políticas e, junto com seus aliados, detendo dois terços dos ministérios. Terceiro, o grupo militar está usando da crise para aumentar a influência na vida do povo libanês.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, tem desempenhado o papel de salvador da pátria, trazendo e distribuindo petróleo iraniano. Por outro lado, o grupo causa medo pelo uso da violência. Em outubro passado, um protesto contra o juiz Tarek Bitar, que foi o segundo a investigar a explosão no porto de Beirute, tornou-se mortal quando milícias do Hezbollah e atiradores desconhecidos trocaram tiros no que parecia uma zona de guerra. Os confrontos reacenderam as tensões sectárias e os temores de uma guerra civil e ilustram a dependência do uso da força pelo grupo.
Depois disso, o Hezbollah e seus principais aliados xiitas impuseram um boicote de três meses no governo, que não terminou até 24 de janeiro. Emergido do impasse, o governo Mikati, em vigor desde setembro de 2021, deve garantir estabilidade e alívio nos próximos meses.
Embora, a longo prazo, o objetivo principal de Mikati seja preservar a situação atual, o que significa que ele evitará reformas sérias e dolorosas para, no lugar, simplesmente gerenciar a crise. As próximas eleições parlamentares podem motivar Mikati a implementar pequenas mudanças e soluções superficiais para garantir votos aos partidos sectários tradicionais do Líbano, como retomar as negociações com o FMI, abordar o programa de subsídios a combustível, remédios e trigo e aumentar o acesso a eletricidade e gás.
No entanto, como no passado, as negociações com o FMI devem se arrastar e o fundo pode não garantir nenhum alívio nos próximos meses. Mais importante ainda, o governo ainda não apresentou nenhum plano concreto para resolver as crises econômicas, sociais e energéticas do Líbano e parece não ter intenções sérias de lidar com as disfunções sistêmicas do país.
Além das inúmeras fragilidades internas, o governo foi vítima da inimizade saudita-iraniana. Historicamente, o Líbano tem sido um forte aliado dos Estados do Golfo, mas o crescente domínio do Hezbollah na política do país prejudicou severamente esse relacionamento. Além disso, as recentes declarações inflamadas sobre a guerra no Iêmen pelo ex-ministro das Relações Exteriores George Kordahi, que levaram a uma crise diplomática entre Líbano, Arábia Saudita e outros Estados do Golfo, como Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã, apenas colocaram mais lenha na fogueira.
Essa disputa agora parece difundida graças à renúncia de Kordahi, mas à custa da unidade do governo, pois gerou grandes divergências entre as várias facções libanesas. O incidente também evidencia como a Arábia Saudita usa seu poder geopolítico para controlar os estados mais fracos da região, prejudicando ainda mais a posição política instável do Líbano dentro e fora do país. Equilibrar a influência do Hezbollah, apoiado pelo Irã, e dos Estados do Golfo já está provando ser mais um desafio para Mikati.
Levando em conta o atual clima de desespero da população, juntamente com a deterioração da cultura política, o governo Mikati, em grande parte impotente, e as terríveis perspectivas econômicas, o quadro que emerge é tudo menos positivo. Há algum tempo, os libaneses vivem o que é considerada a segunda crise financeira mais grave da história.
A lira, moeda libanesa, perdeu 90% de seu valor e atualmente é comercializada no mercado negro, onde o dinheiro é negociado por 10 vezes menos que seu valor oficial. 77% da população vive na pobreza e 40% em extrema dificuldade. Esta situação poderia mudar se uma ajuda financeira significativa fosse fornecida.
Existem bilhões de dólares em fundos de doadores internacionais e um pacote de resgate do FMI em nome do Líbano. Mas não há um plano de reforma econômica confiável no governo para desbloquear a ajuda financeira e orientar a política econômica do país. Assim, qualquer expectativa permanece negativa e altamente imprevisível, mesmo no curto prazo.
As perspectivas de estabilidade — ou melhor, de apatia persistente, apesar de algumas greves sindicais — na sociedade civil para os próximos meses parecem prováveis, apesar de um sentimento generalizado de desesperança. Há também um medo renovado das forças de segurança do governo, do Hezbollah e de seus aliados do Movimento Amal, conhecidos por silenciar dissidentes com prisões e uso de violência.
Os grupos de oposição estão rachados e conflitantes entre si, sugerindo fraqueza. A oposição teria que se unir em torno de um líder, mas o medo de assassinato, justificado por eventos passados, ajuda a manter as coisas como estão. No entanto, a longo prazo, essa tranquilidade enganosa pode desaparecer rapidamente. Se o governo de Mikati não mostrar capacidade de implementar mudanças reais, o que é altamente provável, a chance de o povo libanês se revoltar novamente aumenta.
Além disso, as disputas com Israel parecem estar sob controle no momento – ataques aéreos foram realizados no início de agosto, mas a tensão foi rapidamente dissipada – contribuindo para uma sensação de calma política no país, beneficiando assim o governo. Em maio de 2021, durante conflitos na Faixa de Gaza, o Hezbollah e Israel anunciaram que não estavam envolvidos em uma guerra ativa e mantiveram as hostilidades em equilíbrio desde então.
O Hezbollah também foi afetado pela crise econômica e seu foco principal tem sido consolidar o poder internamente. Assim, um período de estabilidade atende aos interesses do grupo apoiado pelo Irã.
Nos próximos meses, é improvável que a crise energética se agrave a ponto de gerar mais instabilidade. A estratégia em curso dos EUA é fazer o mínimo possível para neutralizar a influência iraniana. A dinâmica olho por olho sobre as negociações para entregar combustível ao país deve atrasar qualquer progresso por meses.
No geral, as perspectivas de grandes melhorias no futuro previsível são improváveis. O quadro econômico continuará se deteriorando e gerando insegurança no país, e qualquer previsão para o longo prazo parece terrível. O atoleiro libanês ainda pode piorar antes de começar a melhorar.
* Diana Vasconcellos possui duplo mestrado em relações internacionais e diplomacia pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris e pelo King's College de Londres. Trabalhou para a Gulf State Analytics, onde foi coautora de artigos sobre geopolítica sobre o Oriente Médio e o Norte da África, além de ter escrito publicações no Brasil sobre geopolítica.