Wagner Cinelli de Paula Freitasdivulgação

As mulheres estão submetidas a diversas situações em que sofrem violência, o que é sempre grave. Mas há uma que exige imediata atenção porquanto fatal: o feminicídio.
O Estudo Global sobre Homicídio, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), revelou que aproximadamente 87 mil mulheres e meninas foram intencionalmente assassinadas no planeta em 2017. Desse número, 50 mil estão na categoria em que os criminosos eram pessoas da mesma família ou intimate partners, que são os parceiros íntimos, considerados os atuais ou ex-companheiros. Daí a conclusão de que o lugar mais perigoso para as mulheres é o lar.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021 corrobora essa verificação ao apontar que a maioria dos feminicídios no Brasil é praticada pelo parceiro íntimo, sendo que o local de ocorrência de 54% desses crimes é a residência da vítima. Portanto, pode-se dizer que a casa, para muitas mulheres, é um espaço de medo. Mas não é de medo por um dia. É de medo constante, que foi agravado pela pandemia da covid-19 por impor maior convívio com o parceiro abusivo.
Essa vítima contumaz experimenta uma sensação de impotência, que pode decorrer de vários fatores, como dependência financeira, preocupação com os filhos, dominação psicológica, receio de que ameaças sejam cumpridas e violência física. Daí o outro temor, que é o de ir embora.
Sobrevive entre o medo de ficar e o medo de ir. Ficar significa lidar com uma realidade que já conhece. Partir desafia o desconhecido. Afinal, como sair de casa? Para onde ir? E os filhos? Qual será a reação daquele que a controla e atormenta? São dúvidas que contribuem para adiar o plano de mudança ou simplesmente deixar tudo como está. Algo do tipo: ruim com ele, pior sem ele.
Um item que costuma fazer parte dessa fórmula complexa é o silêncio, que nasce do medo, da vergonha e também da velha cultura de não interferência em questões de casal. Então, antes da escolha entre o medo de ficar e o medo de ir, há que se romper a barreira do silêncio, que é o caminho para conseguir sair desse isolamento psicológico.
À vista disso, a vítima deve dividir seu drama com as pessoas de sua confiança ou procurar instituições que têm como missão lhe orientar e proteger, como a Delegacia da Mulher, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) e o Juizado de Violência Doméstica.

Os estudos e a experiência nos mostram que uma relação marcada pela violência faz da mulher uma potencial vítima fatal. Por isso, quanto a permanecer na relação tóxica, a palavra mais adequada não é medo, mas aquela que representa seu excesso: pavor. Logo, a escolha é entre o pavor de ficar e o medo de ir. Afinal, a casa, para quem vivencia essas situações, é mais perigosa que outros lugares. E quanto a isso não há dúvida.
Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do TJRJ e autor do livro “Sobre ela: uma história de violência”