Julio FurtadoDivulgação

Volta e meia encontro um professor saudosista enaltecendo a escola de antigamente e suas práticas. “Os alunos respeitavam os professores e prestavam atenção às aulas e, por isso, aprendiam! Eram interessados e gostavam de estudar!” Essas características são, em geral, relacionadas à rigidez das regras escolares de outrora. Escola mais rígida gerava alunos mais disciplinados e interessados e, como consequência, turmas mais niveladas.
O desnivelamento de algumas turmas sempre foi um dos maiores fantasmas de grande parte dos professores. A crença por trás disso é a de que todos aprendem numa mesma velocidade e a forma de ensinar do professor é acessível, igualmente a todos. Eis duas máximas já derrubadas há muito tempo pelas ciências da cognição. O que esquecemos é que a escola de antigamente era para poucos que conseguiam sobreviver aos rígidos processos de aprovação e às seleções que permitiam que só os melhores tivessem suas vagas garantidas.
A partir da década de 1980, a escola se abriu para todos, logo, chegaram as diferenças que acabaram com as turmas “niveladas”. A pandemia intensificou o desnivelamento de aprendizagem e o que já era claro antes tornou-se urgente: precisamos ensinar em condições desniveladas e parar, de uma vez por todas, de perseguir um nivelamento inatingível.
A superação desse desafio passa pela formação dos professores para colocarem em prática uma pedagogia diferenciada e pela crença de que a aprendizagem ocorre de dentro para fora, mediada pelo esforço cognitivo que a criança faz para aprender. Esse esforço é diretamente proporcional ao sentido que a aprendizagem tem para o aluno. Logo, uma pedagogia diferenciada começa pela habilidade do professor em desenvolver atividades que façam sentido para o estudante.
É claro que a questão não é tão simples assim. Número de alunos em sala, repertório metodológico do professor, apoio psicopedagógico e conhecimento do processo cognitivo são variáveis que podem potencializar ou inviabilizar a prática do ensino numa turma “desnivelada”.
A questão é que não há mais tempo nem lugar para “nivelamentos” de conhecimento na escola. Precisamos, com urgência, promover aprendizagens essenciais e autonomia intelectual para que nossas crianças e jovens possam viver e interagir num mundo menos socialmente desnivelado.
Júlio Furtado é professor e escritor