Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

A guerra na Ucrânia está completando dois meses e embora ainda seja prematuro cravar qualquer conclusão sobre seu resultado definitivo, já há consequências bastante palpáveis sobre a realidade internacional. Em primeiro lugar, não obstante uma suposta unidade e coesão do Ocidente nas condenações e críticas à invasão perpetrada pela Rússia, parece muito evidente que a sintonia entre Washington, Paris, Berlim e Bruxelas é precária, cada qual com seus próprios limites e percepções sobre como responder à postura de Moscou.
Joe Biden tenta posar de líder de uma aliança ocidental vigorosa e firme, mas acaba por revelar uma dissonância cognitiva crônica com suas contrapartes europeias. O Ocidente, aliás, com a saída de cena de Angela Merkel, está órfão de um nome forte capaz de afirmar-se como interlocutor legítimo diante do Kremlin.
As pesadas sanções impostas contra a Rússia impactaram duramente a Economia do país e sua sociedade, mas também provocaram efeitos profundos sobre a economia mundial. O avanço da inflação em boa parte do mundo, com os maiores índices em décadas em muitos países, tem parcela de contribuição importante da guerra e seus impactos econômicos, que se somaram a um choque de oferta já anterior.
Além disso, o congelamento de reservas russas depositadas em países ocidentais e a exclusão de bancos russos do sistema de pagamentos global Swift aceleram a percepção de que os pilares dos sistema financeiro e bancário consolidado ao final da Segunda Guerra Mundial não são neutros ou imunes às ingerências políticas, o que acaba por criar certa desconfiança e ceticismo acerca do seu funcionamento.
Não é um acaso que a guerra tenha dado um sentido de urgência à necessidade de buscar sistemas de pagamentos alternativos e a opção por reservas não denominadas em dólar. Claro que a supremacia da moeda norte-americana ainda é evidente, mas há uma transformação estrutural em curso e o conflito na Ucrânia está acelerando seu curso.
O tão propalado isolamento da Rússia a partir de resoluções aprovadas em espaços multilaterais como a Assembleia Geral ou o Conselho de Direitos Humanos da ONU também esconde uma realidade diferente em que países de grande peso e representatividade global ou regional têm ficado reiteradamente à margem das sanções e condenações.
Além do caso óbvio da China, chamam a atenção as posturas da Índia, aliada estratégica importante dos Estados Unidos na Ásia, e mesmo do Brasil, que inicialmente apoiou resoluções condenando a invasão no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral, mas agora, em maior consonância com o BRICS, absteve-se em votações na Unesco, na OIT e até na suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos. O avanço de um mundo pós-ocidental claramente ganha impulso com a guerra.
Por fim, a guerra reitera as crônicas limitações dos organismos internacionais em face das grandes potências. Assim como não houve resposta eficiente contra os Estados Unidos pela abusiva invasão do Iraque em 2003, a reação multilateral à incursão russa na Ucrânia também tende a se esgotar em resoluções e debates desprovidos de consequências maiores.
Na prática, a lei dos mais fortes segue dando o tom na política internacional.
Paulo Velasco Júnior é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGRI - Uerj)