Rita Fernandes é presidente da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua do Rio de Janeiro (Sebastiana)divulgação

São muitos os Carnavais do Rio de Janeiro. Digo isso no sentido da pluralidade de tipos de manifestação, principalmente. Escolas de samba, blocos de embalo, blocos de rua, Clóvis, para citar algumas. Só no universo do Carnaval de rua, as agremiações vão de blocos mais tradicionais, com seus trios elétricos e conjunto de ritmistas, a blocos temáticos, blocos-show e outras formações mais contemporâneas, como as fanfarras musicais. É importante fazer essa sinalização pois o tema Carnaval não é tão simples quanto muitos debates insistem em banalizar.
Esse estranho Carnaval fora de época abriu muitas frentes de conversa sobre o Carnaval, especialmente o de rua. Entre elas, a questão do direito à cidade e à da ocupação do espaço urbano, legitimado inclusive pela própria Constituição Brasileira. Muitos grupos decidiram ficar de fora dessa temporada “carnavalesca” imposta muito mais pela necessidade de realizar os desfiles das escolas de samba, do que propriamente porque havia clima para a festa.
Mesmo com a prerrogativa de um Carnaval forjado para atender o calendário do turismo, vários blocos preferiram adiar seu retorno para 2023. As razões são inúmeras e podemos elencar algumas: a falta de tesão ocasionada pelo adiamento do Carnaval em fevereiro; a falta de dinheiro para colocar o bloco na rua; o desânimo em função do rescaldo da pandemia da covid-19 na forma da variante ômicron; a falta de infraestrutura por parte da Prefeitura do Rio para dar suporte aos blocos e suas multidões.
Vai ser um Carnaval estranho esse, não apenas porque será realizado pós Quaresma – o que já é uma inversão e uma maluquice. Mas porque parece que tudo está mesmo fora do lugar. Talvez venha daí o desânimo de muitos que fazem o Carnaval de rua, ao contrário do que alguns possam deduzir, julgando que o que comandou o cancelamento tenha sido uma questão de patrocínio.
Os blocos da Sebastiana, por exemplo, liga da qual faço parte, na sua maioria perdeu a vontade de ir para a rua porque não têm ânimo para essa construção de um Carnaval fora de época. A engrenagem emocional que prepara para o Carnaval não é como o acender de uma luz, num clique. Simples assim.
Isso não significa que não apoiamos quem quer ocupar esse lugar, palco da nossa democracia, que é a rua. Os que se sentem animados e aptos devem mesmo fazer seus desfiles. Mas também devem ser responsáveis pelos territórios que vão ocupar. Não no sentido formal da legalização, da institucionalização da festa, mas pensando que a cidade é de todo mundo e que ela pode não estar preparada para um possível caos.
Não quero entrar aqui no mérito do que é obrigação da prefeitura, pois é uma outra discussão para além da reflexão que proponho fazer. É que, no cenário atual, não há como fechar a seguinte equação: se os 700 desfiles que a cidade recebe anualmente no período carnavalesco, que varia de 45 a 60 dias, tiverem que ser mantidos em um espaço de quatro dias, quem tem direito a quê? Quem ocupa qual rua? Quem decide quem pode e quem não pode? Ou vai todo mundo assim mesmo para a rua?
O que está em debate não é apenas a liberdade intrínseca do próprio Carnaval – que deve ser sempre garantida e acredito que será, pois não há proibição legal até o momento, que eu saiba, para os blocos –, mas também a questão do direito à cidade. Porque o Carnaval de rua carioca ficou enorme e a cidade é de todos. Dos que amam Momo e suas alegrias, como eu, e dos que preferem dela se resguardar.
Rita Fernandes é presidente da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua do Rio de Janeiro (Sebastiana)