Isa Colli é jornalista e escritora Divulgação

Os índices, dados econômicos e pesquisas apontam o que a gente sente no bolso há um bom tempo: a inflação com a pressão dos preços dos alimentos corroendo o orçamento das famílias. No entanto, foi o comentário de um menino de 8 anos sobre a atual crise econômica que me fez perceber que a gravidade da situação do país não passa despercebida nem mesmo pelo olhar das crianças.
Eu falava numa chamada de vídeo com uma amiga jornalista e o filho, Tiago, ouvia nossa conversa sobre a preocupação com a alta dos preços. E eis que ele soltou um comentário desolado: “o que me deixa triste é a fome por causa do desemprego. Muitas pessoas não conseguem comprar as suas necessidades básicas”.
Aquela fala vinda de uma criança me tirou do eixo por uns segundos. Eu quis falar com ele para saber mais sobre o que pensava e ele, tímido, já correu para brincar e deixou de ouvir nossa conversa. Quando desliguei o telefone, fiquei com aquele comentário matutando na minha cabeça. E vieram as cenas do cotidiano urbano que preocupam o menino de 8 anos e, muitas vezes nós, adultos, fazemos vista grossa: aumento das pessoas em situação de rua, famílias inteiras pedindo dinheiro ou vendendo balas nos sinais de trânsito, pessoas se amontoando em filas por vagas de empregos e por aí vai...
Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) apontam que, entre 2018 e 2021, os alimentos ficaram, em média, 43% mais caros para o consumidor final. A pandemia agravou esse cenário. O mesmo ocorreu em relação ao desemprego. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil só deve retornar ao nível pré-pandemia em 2024.
A inflação dos alimentos é o mais cruel dos índices porque vai em cima do que é essencial e atinge os segmentos mais vulneráveis. O Brasil chegou a ser retirado do Mapa da Fome da ONU em 2013. Mas houve um retrocesso diante do cenário de crise econômica, política e sanitária. Estudo feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), revelou que mais da metade dos brasileiros estão em insegurança alimentar durante a pandemia, com cerca de 19 milhões de pessoas passando fome, o que representa um salto de 27%, em comparação com 2017. A situação é mais grave no Nordeste.
Outro levantamento, do Instituto Data Folha, revela que a quantidade de comida em casa nos últimos meses tem sido insuficiente para um de cada quatro brasileiros. Para alguns, só resta como alternativa recorrer a doações ou até mesmo disputar restos de carnes e ossos rejeitados por supermercados. Não podemos nos acostumar com cenas como essas. É preciso manter viva a indignação da criança que não aceita a fome e desigualdade. E aos cidadãos também deixo uma reflexão: temos uma ferramenta poderosa à mão para mudar a realidade que nos incomoda: o voto.
Isa Colli é jornalista e escritora