Cecília Olliveira é jornalista e diretora do Instituto Fogo CruzadoDivulgação

A escola de samba Em Cima da Hora abriu os desfiles na Marquês de Sapucaí com uma crônica do cotidiano. A agremiação do subúrbio fez a releitura de um enredo apresentado quatro décadas atrás, sobre as dificuldades enfrentadas pela população que precisa dos trens urbanos para chegar ao trabalho.
A superlotação, o atraso, o furto e o desrespeito à mulher foram retratados no desfile. Mas se o enredo fosse criado hoje em dia, seria inevitável somar mais um problema à lista: os tiroteios que impedem a circulação do transporte e colocam passageiros em risco.

O Instituto Fogo Cruzado mapeou 108 tiroteios próximo aos ramais dos trens da Supervia em 2021, e parte relevante deles aconteceu na Baixada Fluminense. O ano virou e o problema seguiu. Ainda não completamos o primeiro semestre de 2022, e todos os ramais que passam pela Baixada já foram afetados por algum tiroteio pelo menos uma vez.
O ramal Saracuruna, por exemplo, teve 14 registros de tiros próximo à linha do trem. Recentemente, um tiro atingiu um cabo de energia da Supervia e interrompeu a circulação do ramal. Por sorte, ninguém ficou ferido desta vez.

Um tiroteio gera uma cadeia de consequências ruins. No caso do trem, o trabalhador, além de correr risco de ser baleado, se atrasa quando o problema afeta o ramal. O patrão que não entende o motivo do atraso faz ameaças de demissão. O aluno que não chega à escola não consegue dar sequência nos estudos. O desempregado que perde uma entrevista não alcança o objetivo do emprego.

A violência armada na Baixada Fluminense está perto dos ramais dos trens e também nas rodovias, nas ruas e nas favelas. A região teve mais de uma pessoa baleada por dia, em média, nos quatro primeiros meses de 2022. Desde 2016, quando o Fogo Cruzado começou a mapear tiroteios na Região Metropolitana do Rio, a Baixada teve 2.315 pessoas mortas a tiros. É uma morte por dia.
São números impressionantes, que deveriam gerar revolta na população e na Assembleia Legislativa, recheada de parlamentares que afirmam representar os municípios da região. Será que todos nós estamos acomodados e vamos assistir, atônitos, ao crescimento dos números em mais um ano?

O sonho do trabalhador fluminense é ir para o trabalho e voltar para a casa sem risco de ser mais uma vítima da violência armada. É um sonho singelo, mas que para ser realizado depende da boa vontade do poder público de construir um plano de segurança eficiente, que dure para além da corrida eleitoral. Enquanto isso, o Fogo Cruzado segue alertando a população dos tiroteios.

Cecília Olliveira é jornalista e diretora do Instituto Fogo Cruzado, que monitora a violência armada em cerca de 40 cidades das regiões metropolitanas do Rio, Recife e, em breve, em Salvador.