Allan Borges é subsecretário de habitação do RJ e doutorando em Direito da Cidade na UERJ Arícia Fernandes é procuradora da prefeitura do Rio de Janeiro e professora da UERJDivulgação

Seja pelo estranhamento da ordem regulada ou por sua diversidade, as favelas são registros de cenário urbano que evoluem como um organismo vivo. Resistem às remoções compulsórias como um ser que se adapta para continuar a sua história através dos tempos.
A Escola de Chicago está entre as primeiras sistematizações de uma teoria de cidades. Para ela, a cidade se expande de forma natural e seus efeitos são resultantes de processos competitivos de ordem econômica, explicados por padrões agregados de um comportamento social. O padrão se repete nos estudos urbanos e regionais uma vez que apresentam polos de crescimentos com atividades econômicas geograficamente concentradas. Em ambos os modelos, as contradições se revelam, pois promovem segregação socioespacial e desconsideram as relações sociais desiguais.
Nos anos 1970, o urbanista inglês John Turner foi levado a visitar um conjunto habitacional na Zona Oeste do Rio e assombrou-se com aquela infinidade de casas enfileiradas como dominós e arquitetonicamente padronizadas como blocos de Lego, como se seus moradores fossem idênticos e suas vidas estivessem destinadas à monotonia.
Não custou chegar à conclusão do inverso da narrativa dos próceres das remoções urbanas de então, que destacavam que as favelas são inóspitas e que a solução para salvar aquelas pessoas eram habitações recém-construídas pelo Estado. Turner notou que os conjuntos habitacionais é que eram o problema, e as favelas, a solução possível de quem não tinha recursos, mas tinha tino.
Afinal, seria a favela um urbanismo democrático que responde de maneira autônoma às injunções sociais e econômicas, para assim seus moradores participarem da cidade? Será que a favela é uma manifestação econômica que revoluciona com sua potência cultural e luta de forma indelével pelo direito à cidade?
O asfalto muito teria a aprender com o direito achado na rua, um movimento de contracultura jurídica dos anos 1980 que também se propunha à insurgência em prol da garantia de mínimos existenciais. Como no clássico funk carioca “se de lá não fazem nada, faremos tudo daqui”.
Para diluir as fronteiras materiais e simbólicas, seja intra favelas ou entre a favela e o bairro formal, o urbanista Sergio Magalhães propõe enfrentar essas circunstâncias com urbanização integrada. Trata-se de desconstruir a percepção dos espaços como lugares da precariedade, construindo centralidades coletivas no seio da favela, ampliando a acessibilidade e integrando a cidade como um todo, de modo a acabar com a dicotomia informal ou formal.
Pelo tamanho das deficiências acumuladas, o passivo urbanístico e social a enfrentar, especialmente na Região Metropolitana do Rio, necessita de investimento planejado para intervenções articuladas, como a urbanização de favelas atrelada à mobilidade urbana e ao empoderamento social. Um pacote que não desvia o olhar da Cultura e reconhece a necessidade da segurança pública como dever constitucional do Estado. Ou seja, aproveitar a estrutura social, econômica, cultural e afetiva que já existe, dando acesso aos direitos que são teoricamente garantidos à parte formal da cidade.
Mas o que parece lógico não é necessariamente simples. Precisa de formulação de política pública de Estado – e não de governo -, investimento e gestores comprometidos com a redução da pobreza e desigualdade social e com a promoção das condições necessárias ao exercício das liberdades, para terminar com a lição de Isaiah Berlim.
A estrutura precisa começar pela integração para atingir a inclusão. É um longo processo, mas toda maratona começa com o primeiro passo.
Allan Borges é subsecretário de habitação do RJ e doutorando em Direito da Cidade na UERJ
Arícia Fernandes é procuradora da prefeitura do Rio de Janeiro e professora da UERJ