Luís Pimentel, colunista do DIADivulgação

Há dez anos, em março de 2012, o Brasil perdia um pedaço significativo de sua inteligência (hoje tão escassa), com a morte do humorista, cartunista, jornalista, dramaturgo e pensador Millôr (de batismo, Milton) Fernandes – que recebeu placa em sua homenagem na Praia do Arpoador, pedaço do Rio onde flanou, imperou, mergulhou e jogou muito frescobol.
Millôr teve infância das mais difíceis. Nasceu em 1923, ficou órfão de pai com menos de um ano de vida e com menos de dez perdeu a mãe (ambos morreram com apenas 36 anos de idade). Estudou a vida inteira em escolas públicas e foi formado, como ele mesmo já escreveu, “pela universidade do Méier”.
Estreou no jornalismo com 14 anos, na revista “O Cruzeiro”, onde fez de tudo o que se pode imaginar dentro de uma redação. Começou como contínuo e, ao deixar a publicação, homem feito e profissional dos mais respeitados, deixara na história da revista criações marcantes como a coluna do Vão Gôgo (pseudônimo inventado por ele e que veio a ser, provavelmente, o espaço autoral mais lido da revista, quiçá da imprensa brasileira, entre 1948-1950) e a coluna Pif-Paf – embrião da revista quinzenal com o mesmo nome – lançada no dia 15 de maio de 1964, um mês e meio depois do golpe militar, e fechada quatro meses (ou oito edições) depois – e do semanário “Pasquim”, que ajudou a criar no final da mesma década.
“Não tinha pai, não tinha mãe, não tinha nada, não tinha dinheiro, ganhava cem qualquer coisa – cem réis ou cem mil réis, alguma coisa assim. Mesmo sem nenhum lugar pra onde ir no mundo, depois de trabalhar quatro, cinco meses, eu cheguei lá na gerência de “O Cruzeiro” e disse: ´Eu não fico mais aqui porque eu quero ganhar trezentos. E bancaram”, declaração de Millôr reproduzida no volume em sua homenagem lançado pela Coleção Gente, da Editora Rio.
Nos últimos anos da década de 1960, além de participar da criação do Pasquim Millôr começou a ocupar uma página na revista “Veja”, que lhe trouxe muito prestígio. As duas experiências lhe deram aborrecimentos políticos, como a quase prisão junto com os demais editores do Pasça e o processo pela Lei de Segurança Nacional, por conta de um desenho publicado em página inteira, onde um cara com um martelo pregava um caixão com a palavra democracia. O cara era o general Newton Cruz, morto recentemente, à época o todo-poderoso chefe do SNI, que o processou.
Além da coluna fixa em “Veja” (revista à qual retornou e manteve por alguns anos a marcante grife semanal), Millôr ocupou espaços nobres também na “Isto É”, O DIA e no “Jornal do Brasil”, sempre escrevendo e desenhando. Autor teatral e tradutor dos mais respeitados, deixou mais de 50 livros publicados e lançou, em 1994, uma obra definitiva, “A Bíblia do caos”, reunindo mais de cinco mil registros em texto do genial e “irritante guru do Méier”, como se autointitulava.
Luís Pimentel é jornalista e escritor