O ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira, até pouco tempo atrás Comandante Geral do Exército Brasileiro nomeado por Jair Bolsonaro, participou da conferência da décima quinta Conferência de Ministros da Defesa das Américas, em Brasília, e afirmou seu respeito à democracia. Tenho ido na contramão da análise de muitos jornalistas e da maioria dos cientistas políticos e sociólogos, que falam o tempo todo em golpe, em risco à democracia. Eu sempre digo que a democracia, por sua própria característica, tem que ser barulhenta, tem que ser conflituosa e sempre, no regime democrático, a democracia está em risco, existem pessoas totalitárias. Outra coisa que afirmo é que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, não tem apreço pelo regime democrático, por ele existiria uma ditadura.
O presidente Jair Bolsonaro não é um democrata. Foi eleito no regime democrático, foi eleito por eleições com regras democráticas e é legitimamente presidente da república, mas ele não tem apreço pela democracia. O fato de ele não ter apreço pela democracia, o fato de ele ter permanentemente, ao longo de seu mandato, feito falas e provocações contra a democracia, não significa que a democracia brasileira está prestes a sofrer um golpe. Creio efetivamente que as instituições que poderiam lastrear um golpe de estado tradicional, ou de novo tipo como da Turquia, não estão apoiando essa decisão, não entrariam nessa aventura. Digo, o conjunto das Forças Armadas, as três armas: o exército brasileiro, a marinha brasileira e a aeronáutica brasileira, assim como o sistema financeiro brasileiro com suas conexões internacionais.
Portanto, hoje você não tem uma conjuntura semelhante a dos anos 60 e 70, da mesma forma que não existe uma conjuntura parecida nas Américas com a possibilidade de um golpe de estado, como aconteceu na Bolívia, por exemplo, em que se deu um golpe de estado atípico, sem o apoio das forças armadas, mas comandado por milícias de policiais civis e liderança da igreja católica ultraconservadora. Meses depois se reverteu a situação. Existe hoje um papel vigilante da organização dos Estados Americanos, existe um papel vigilante da Organização das Nações Unidas e de toda a sociedade civil brasileira. Aliás, no momento, é muito bem-vindo e bem visto o manifesto a favor da democracia intitulado 'Carta pela Democracia', que já tem mais de 300 mil assinaturas por todo o Brasil. Espero que chegue a 50 milhões, a 100 milhões de assinaturas, porque disso a democracia precisa: a democracia precisa que sempre vocalizemos que queremos mais e mais democracia. Apesar dos defeitos da democracia, apostar em soluções autoritárias, tanto à esquerda como à direita, é um ato estéril, pois não existe autoritarismo que seja melhor do que a pior democracia.
Eu sou a favor da democracia como valor universal, assim eu creio que o fato do ministro da defesa, representando o estado brasileiro e o governo brasileiro, não hesitar em assinar a Declaração de Brasília, documento que reforça o apoio à Carta Democrática Interamericana, junto a todos os ministros da defesa das Américas é a grande notícia desse final do mês de Julho. E não o fato de que vamos ter golpe. Muita gente me chama de bobo ou de ingênuo por dizer que não vai ter golpe. A página me parece virada em relação à sociedade brasileira e a própria democracia brasileira e, digo eu, todas as democracias são falhas e a sociedade brasileira tem muitos erros estruturais históricos: o racismo escravista é um deles.
Para finalizar digo: a grande notícia, que meus colegas da mídia e meus colegas das Universidades não estão comentando, é a carta divulgada no dia 28 de julho defendendo a democracia. Essa carta é um pacto pela democracia que todos os países fazem, ou seja, todos os países da Organização dos Estados Americanos não permitirão que um dos signatários dessa carta apoiem um golpe de estado. Da mesma maneira que afirmo: não existe viabilidade técnica, financeira ou operacional para um golpe de estado no Brasil antes ou após as eleições.
O que veremos, venho falando em todas as matérias que escrevo, é uma eleição muito tensa, uma eleição violenta, uma eleição com mortes, uma eleição com atentados, uma eleição com brigas de rua, mas sobretudo porque ela está polarizada, e o fato do Presidente da República que é candidato à reeleição, estar muito bem posicionado e ser contra a democracia gera essa nostalgia de "vai ter um golpe". Teremos eleições tensas e quem ganhar a eleição tomará posse, seja Jair Bolsonaro, seja Luiz Inácio Lula da Silva, seja Ciro Gomes, seja Simone Tebet, seja quem for o vencedor.
* Sociólogo, cientista político, técnico em estatística e professor da UFRJ
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