opina8agoARTE O DIA

No conto João e Maria, dos irmãos Grimm, duas crianças se perdem na floresta e acabam aprisionadas por uma bruxa que pretendia engordá-las para devorá-las. No final, elas se salvam e regressam para a sua família sãs e salvas. O desaparecimento de pessoas é um fato grave e, nos enredos da vida real, o final nem sempre é o retorno à casa.

A respeito do assunto, tratemos aqui das ocorrências em que a pessoa não desaparece propriamente, mas é desaparecida, notadamente quando é vítima de um crime de homicídio, tem o seu cadáver ocultado e sua ausência é reportada à polícia. Vejamos duas situações emblemáticas sobre o tema, com o foco no feminicídio praticado pelo marido:

A primeira delas ocorreu nos EUA. Ann Margaret Berry estava grávida do terceiro filho quando desapareceu em 1991. Sua irmã indagou a Kevin James Lee, marido de Ann, sobre o paradeiro dela e a resposta foi que a esposa tinha fugido com o amante. Kevin logo se mudou de estado levando consigo os dois filhos.
Passados 20 anos, jovens acampavam no bosque perto da antiga casa da família Berry quando encontraram um plástico contendo um esqueleto, que veio a ser identificado como sendo de Ann. Levado a julgamento pelo Júri, no Condado de Coweta, na Geórgia, Kevin foi condenado pela morte da mulher grávida e pela ocultação de cadáver, recebendo a pena de prisão perpétua.

O outro fato ocorreu no Brasil, na cidade mineira de Juiz de Fora, em 2019, ficando conhecido como o “Caso Cláudia”. Apesar de separados, o ex-casal continuava a residir na mesma casa com seus dois filhos. A vítima foi dada por desaparecida e seu ex-marido, Jaime Tristão Alves, simulou interesse em encontrá-la, inclusive participando das buscas. O cadáver da vítima foi localizado cinco meses após o assassinato. Julgado pelo Tribunal do Júri, Jaime foi condenado a um total de 23 anos de prisão, sendo 21 pelo feminicídio e o remanescente pela ocultação de cadáver.

Aliás, hoje, com a entrada em vigor da Lei 14.344, de 2022, que introduziu alterações no Código Penal, a sanção aplicável ao feminicídio praticado pelo cônjuge ou companheiro tem uma majorante de 2/3. Logo, uma penalidade de 21 anos, acrescida dessa fração, resultaria em um total de 35 anos de reclusão.

Decerto que as mortes de Ann e Cláudia são duas gotas no oceano de feminicídios praticados por companheiros. São casos de homens que matam e tentam ludibriar a todos com uma história falsa, cujo objetivo é afastar de si as suspeitas sobre a autoria do delito. Alguns deles têm sucesso com sua estratégia de dissimulação. Há, entretanto, os crimes que são solucionados. Às vezes com certa demora, como no “Caso Ann”, outras mais rapidamente, como no “Caso Cláudia”.

De toda sorte, nesses “desaparecimentos” que são desvendados, a pena imposta ao criminoso é sempre alta, fato que deveria servir de desestímulo àqueles que cogitam caminhar por essa via torta. Assim, seja pelo rigor da lei, seja pela conscientização, que cada vez mais a vida possa reproduzir a moral dos contos infantis, onde os vulneráveis superam as maldades e os finais são felizes.

Wagner Cinelli de Paula Freitas é desembargador do TJRJ e autor dos livros “Sobre ela: uma história de violência” e “Metendo a colher”.