Maurício Santoro é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)Divulgação

Elizabeth II morreu aos 96 anos, depois de sete décadas no trono - o reinado mais longo da milenar história da monarquia britânica. Para seus súditos, ela simbolizava o Estado e as tradições, em um período em que o Reino Unido deixou de ser uma grande potência, perdeu o império e tenta, até hoje, redefinir seu lugar no mundo. Contudo, apesar dos obstáculos, a sociedade ficou mais próspera, aberta e diversa, fiscalizando mais de perto o comportamento da família real.
Elizabeth não estava predestinada a ser rainha. A linha sucessória passava por seu tio mais velho, que reinou por breves meses em 1936 como Eduardo VIII, mas abdicou da coroa por uma sucessão de controvérsias pessoais (seu desejo de se casar com uma mulher divorciada, algo inusitado na época) e problemas políticos (simpatia pelo nazismo).
O pai de Elizabeth se tornou rei, como George VI. Era tímido, gago e com dificuldades de se relacionar socialmente. Embora os britânicos o admirem por seus esforços em manter a moral nacional elevada na Segunda Guerra Mundial, é provável que as responsabilidades públicas tenham contribuído para o declínio de sua saúde. Morreu ainda jovem, em 1952.
Elizabeth herdou do pai um forte sentimento de dever público e foi a primeira monarca britânica da era da televisão e, mais tarde, da internet e das redes sociais. Isso significou que sua vida íntima, e de sua família, estiveram sujeitas a muito mais vigilância e exposição do que a de seus antecessores. Embora Elizabeth tenha mantido sempre uma imagem sóbria e exemplar, seus parentes próximos se viram em meio a uma sucessão de escândalos ao longo de décadas: assédio sexual, casos extraconjugais e racismo.
Charles III assume a coroa em um período de crises para o Reino Unido, com os problemas oriundos da saída do país da União Europeia, o risco de separação da Escócia, a posse da quarta primeira-ministra em seis anos e os impactos da guerra na Europa, em particular a inflação alta. Em meio a tantas dificuldades, muitos britânicos veem na monarquia um símbolo de estabilidade. O jubileu de 70 anos de reinado de Elizabeth II, celebrado no 1º semestre, foi a ocasião para festas e celebrações. Foi, em retrospecto, a despedida da monarca.
Elizabeth II era a figura pública mais admirada pelos britânicos, com 75% de aprovação. Seu filho, o agora rei Charles III, amarga um 13º lugar, com apenas 42%. Bem atrás de seus filhos e noras, para não mencionar sua falecida ex-esposa, a princesa Diana.
Embora há muitos séculos os reis e rainhas britânicos não tenham mais poder político, continuam a exercer influência cultural, como símbolos da nação, e podem incentivar a opinião pública a dar mais destaque para alguns assuntos.
Nos últimos anos, Charles se dedicou bastante à causa da proteção do meio ambiente. Ele fez várias viagens ao Brasil, visitando a Amazônia pela 1ª vez na década de 1970, quando o tema ambiental não tinha nem de longe a importância atual. É de se esperar que, como rei, promova a agenda da ecologia, o que abrirá oportunidades de cooperação entre o Reino Unido e o Brasil.
Maurício Santoro é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).