Flavia Albaine é defensora pública e especialista em Direito das pessoas com deficiênciadivulgação

Setembro é o mês de reflexão sobre a inclusão social de pessoas com deficiência. Dentro desse grupo, no presente artigo objetiva-se refletir um pouco sobre o preconceito sofrido por pessoas autistas. O autismo é considerado um tipo de deficiência sob o ponto de vista jurídico. Portanto, os direitos das pessoas autistas são garantidos pela Lei que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, pela Lei Brasileira de Inclusão e pela Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada pelo Brasil com status constitucional), dentre outras legislações.
Diante do modelo social de deficiência adotado tanto em âmbito interno quanto em âmbito internacional, é primordial que a sociedade foque na eliminação do capacitismo estrutural presente na sociedade brasileira, que é exatamente o movimento de preconceito, exclusão e violência contra a pessoa com deficiência. O capacitismo estrutural tem, entre as suas características, a pulverização das inúmeras barreiras enfrentadas pelas pessoas com deficiência, barreiras estas que muitas vezes transcendem a ordem individual e são normalizadas pela comunidade.
Dentre esse grupo de barreiras, chama-se atenção especial para as barreiras atitudinais que decorrem do comportamento humano de preconceito e exclusão. Um exemplo a ser dado envolvendo o contexto das pessoas autistas seria desqualificar o autismo enquanto uma condição clínica e genética através de falas hostis que desconsideram as dificuldades vivenciadas por essas pessoas em uma sociedade extremamente preconceituosa, como se ser autista fosse uma moda da atualidade.
Importante ressaltar que o aumento do número de casos de pessoas autistas na sociedade brasileira não é uma nova tendência de estilo de vida. Na atualidade se fala mais e se estuda mais sobre o assunto, por consequência, há mais profissionais capacitados distribuídos pelo Brasil que realizam os diagnósticos – inclusive de autistas diagnosticados tardiamente.
Condutas desse tipo, além de serem nítidos exemplos de barreiras atitudinais, podem configurar discriminação contra a pessoas com deficiência nos termos da legislação nacional e internacional, uma vez que negam o respeito devido inerente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Importante frisar, ainda, sobre a existência do capacitismo reflexivo, que é aquele que atinge os familiares de pessoas com deficiência, que por muitas vezes também enfrentam barreiras atitudinais.
Um exemplo desse tipo de prática envolvendo o universo das pessoas autistas é o uso da expressão “mãe geladeira” por alguns psicanalistas, que culpabilizavam as mães como sendo as causadoras do autismo infantil diante de um comportamento nocivo, ideia essa já refutada pelos estudiosos de escol sobre a temática por ausência de dados empíricos, uma vez que o autismo é, sobretudo, uma condição genética.
A ONU aborda esse tipo de conduta como sendo discriminação por associação, que é exatamente a discriminação contra pessoas com base em sua associação com uma pessoa com deficiência, atingindo principalmente mulheres em papéis de cuidadoras de pessoas com deficiência.
Falas discriminatórias configuram barreiras atitudinais. E barreiras precisam ser combatidas para o alcance de uma sociedade menos capacitista e mais inclusiva. Um caminho para esse objetivo certamente é através da conscientização e da disseminação de informações verdadeiras e com fundamentos técnicos.
Flavia Albaine é defensora pública e especialista em Direito das pessoas com deficiência