Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

Em seu discurso logo após a confirmação da vitória nas urnas, o presidente eleito Lula afirmou que o mundo estava com saudades do Brasil. De fato, ao longo de toda a última década o país revelou um perfil mais tímido e acanhado na cena internacional, reflexo das instabilidades políticas e econômicas domésticas, mas também do relativo desinteresse ou descaso de seus governantes pela política externa.

Com o governo Bolsonaro, ainda pior, percebeu-se um país à deriva nos espaços internacionais, assumindo posturas erráticas e incompatíveis com suas melhores tradições diplomáticas. Foi desastroso ver o Itamaraty ficar por mais de dois anos sob o comando de liderança inepta, permeável a histrionismos ideológicos e entusiasta de agendas conspiratórias contra um suposto globalismo hostil aos valores ocidentais e cristãos.

Foi lamentável ver o país apequenar-se em posições alinhadas com os excessos do então presidente dos EUA, Donald Trump, seja nas críticas infundadas ao multilateralismo e às organizações internacionais, seja na renúncia ao tradicional universalismo das nossa relações externas. O Brasil apostou por um obscurantismo diplomático que nos afastou de parceiros tradicionais da América Latina, como a Argentina, e acabou por nos conduzir à condição de pária internacional, notadamente na agenda ambiental onde voltamos a ser tachados de vilões.
Ao lado dos múltiplos desafios que se apresentam para o novo governo, caberá reconstruir uma política externa que foi deixada em frangalhos, bem como recuperar a credibilidade internacional minada após embates infrutíferos e irresponsáveis com lideranças internacionais como o presidente francês Emmanuel Macron, além da adoção de discursos negacionistas em face das mudanças climáticas ou da própria pandemia da covid-19.

O presidente Lula encontrará uma dinâmica doméstica e internacional muito mais adversa do que aquela de 2003, quando assumiu o Planalto pela primeira vez. Internamente, a irresponsabilidade fiscal e a gastança eleitoreira do governo Bolsonaro contrastam com as estabilidade macroeconômica e o equilíbrio do Brasil pós-Plano Real do governo Fernando Henrique Cardoso.

Na dimensão externa, a guerra da Ucrânia, combinada com uma inflação global e o avanço dos riscos de uma recessão nos EUA e na Europa, além da desaceleração econômica da China, em nada têm a ver com os ventos positivos que sopraram nos anos 2000, marcados pela ascensão do sul-global e pelo boom das commodities puxados pelo crescimento chinês.

Apesar das dificuldades conjunturais evidentes, é certo que veremos uma política externa compatível com os pilares e tradições consolidados ao longo de décadas e ávida por devolver o Brasil a uma posição de destaque e proeminência na região e no mundo. O país reassumirá um lugar à mesa, ao lado de grandes potências do norte e do sul global, para lidar com os desafios climáticos, bem como com as mazelas provocadas pela pobreza e pela fome.
São poucos os Estados no mundo com capacidade de dialogar de forma estreita e profícua com Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, Estados Unidos e Irã, mas o Brasil de Lula já o fez no passado e voltará a fazê-lo novamente a partir de janeiro. Definitivamente, se o mundo estava com saudades do Brasil, é certo que o Brasil também estava com saudades do mundo.
Paulo Velasco Júnior é professor de Política Internacional da UERJ